Pesquisa do Palavrório

19.5.09

Tem algo errado

Existe algo de errado com o jovem de hoje, e isso não é conversa de um quase senhor de quase 40 anos de idade. Percebi isso assistindo às apresentações das agências de propaganda que concorrem à conta de publicidade do POP e do Vono, empresas que pertencem à empresa onde trabalho, a GVT.
Todos foram unânimes em dizer que o jovem de hoje adora, ama, não vive sem estar presente em todas as redes sociais que existem: Orkut, Facebook, MySpace, Sonico, Hi5, Twitter, este blogger, etc e tal. Em todas, eles adoram contar o que estão fazendo, quais são suas preferências, seus hobbies, onde vão, com quem ficam, com quem deixam de ficar. Em todas elas, vão deixando mensagens achando que estão conversando com outras pessoas, estabelecendo ligações (talvez até estejam, mas acho difícil imaginar como).
Minha estupefação é: por que tanta vontade de aparecer? Uma das publicitárias que passou pela concorrência disse que todas essas ferramentas permitem ao jovem driblar a sua timidez e, quando ele se encontra com uma outra pessoa no mundo real, essa pessoa já a conhece um pouco, pois viu sobre ele em algum site. Eu não acho que seja isso. Acho que tem um muito de proteção e projeção de um eu superior ao eu verdadeiro, pois a internet aceita tudo, dificilmente aparece alguém para checar se o que dizes é verdadeiro.
Eu tenho muitas dúvidas também se os jovens se comunicam mais e se estabelecem laços de verdade com outras pessoas. Tem um monte de gente que afirma conhecer pessoas que começaram a namorar na Internet. Pode até ser verdade, mas acho que a maior parte tem o que o Zygmunt Baumann chama de amores líquidos. Os laços são fracos, se eu não gosto do que falam de mim eu tiro ele do meu Orkut, deleto da minha lista de RSS, bloqueio no celular, mas não digo nunca a ele que não gostei do que ele disse.
Para mim, tem algo errado quando todos se escondem atrás do teclado para se relacionar. Só espero poder descobrir o que é isso quando meus filhos chegarem à idade de também construírem a sua identidade digital para poder não me assustar tanto.

11.5.09

Dificuldades, eu?

Hoje ajudei uma cega a atravessar a rua. Daí que acabei guiando-a por mais duas quadras. Ela levava um cactus nas mãos. Achei estranho que uma cega levasse um cactus, afinal, nem acariciar a planta ela poderia. Mas ela me contou que, quando era criança, na casa onde moravam, havia um cactus pequeno que ela e o irmão cuidaram até virar um cactus grande, que superava o beiral da janela, com orelhas como a do Mickey. Logo, ela tinha visão e a perdeu em algum acidente. Ela também contou que havia três pés de caqui no seu pomar. E que um dia, logo depois do dono do terreno morrer, a prefeitura veio e colocou tudo abaixo, cactus, caquizeiros e as outras árvores do pomar. E ela e o irmão choraram um monte. Mas hoje, mesmo cega, ela comprou um cactus.
Na sexta estava esperando minha família me pegar em frente ao serviço. Olhava o movimento, quando o menino apareceu. No lugar dos braços, dois cotos, sem mãos. As pernas eram finas, quase somente a pele sobre o osso. Ele usava um óculos grosso, típico de quem tem miopia. Um dos filhos da infame talidomida. E levava pendurado no pescoço o crachá de onde trabalhava. Sem mãos, quase sem braços, quase sem visão, com pernas que permitiam apenas um caminhar claudicante, ele trabalha e batalha por alguma coisa, algum sonho que tem.
Hoje minha esposa me contou uma história. Ela estava no seu trabalho quando um senhor, que ela só havia visto uma vez por conta de um serviço que ele prestou a ela, chegou quase chorando ao seu escritório. O senhor vinha pedir ajuda. Seu filho, no dia anterior, havia morrido. O filho e sua namorada foram à praia e subiram em umas pedras para tirar umas fotos. Uma onda forte veio e jogou ambos ao mar. Nenhum dos dois sabia nadar, mas o moleque, de 19 anos, fez o que pode e conseguiu salvar a menina. Mas não conseguiu se salvar. O homem, desesperado e enraivecido - "não é justo um pai enterrar um filho, não é justo!" - e ao mesmo tempo suplicante, vinha pedir dinheiro para poder pagar a uma funerária transportar o corpo para ser enterrado na sua cidade. Ele não tinha mais a quem pedir dinheiro, já devia ter pedido a todos os conhecidos, mas ninguém tinha nada. Demos o dinheiro para ele, que saiu com sua dor.
Eu parei algumas vezes durante o dia para pensar na cega, no deficiente físico. Depois pensei no senhorzinho que perdeu seu filho. E fiquei com vergonha de mim mesmo de achar que tenho alguma dificuldade grande o suficiente que me emperre a vida.

9.3.09

Receita de um ser humano

Receita Para Se Fazer Um Herói

Ira!

Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural

Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural

Embebece-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio

Embebece-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio

Depois, perto do fim
Levanta-se o pendão
E toca-se o clarim
E toca-se o clarim

Serve-se morto
Serve-se morto
morto, morto

Serve-se morto
Serve-se morto
Não faz tanto tempo assim, mas ele nem de perto se parecia com o mendigo maltrapilho que vejo hoje. Há alguns anos, ele trabalhava como camelô na esquinas das marechais, centro de Curitiba. Eu o via todo dia, pois trabalhava na banca de revistas de meu pai. E admirava a quantidade de bugigangas estranhas que apareciam à venda: descascadores mágicos de legumes e verduras, antenas à prova de qualquer distância, réguas para crianças, enfim, sempre tinha algo novo.
 
De todos, o melhor era o plaquê americano. "Não é ouro, nem prata, nem bronze, é o plaquê americano!", eles gritavam, seis camelôs que se revezavam no ponto. A demonstração da qualidade do plaquê era muito convincente. Em um copo com ácido muriático, eles jogavam um talher normal, uma ficha telefônica (sempre compradas na minha banca, e só valiam as "pratinhas", fichas novas, recém prensadas) e uma das jóias que vendiam. A ficha e o talher derretiam-se, mas o colar ou pulseira de plaquê aguentava. E dá-lhe vender. Um dia, curioso, meu colega de trabalho perguntou o que era, e eles confessaram que era cobre muito, mas muito polido, para ficar com um dourado bonito.
 
Ele era um dos seis. Ninguém tinha muita cara de homem sério, davam sempre a impressão que, tão logo conseguissem algum, se enfurnariam em alguma zona à procura de mulheres e bebida. Independente do que fizessem, no dia seguinte, ao redor das 10h, lá estavam eles com seu plaquê americano.
 
Não durou muito a aventura do plaquê, um ano no máximo, e todos sumiram pela cidade. Mas um deles vive no centro atualmente. Quer dizer, viver é exagero. Um deles se arrasta pelo centro de Curitiba como um espectro a nos assombrar. Regularmente eu o encontro pelas esquinas. Ele está em farrapos. Na perna direita, uma bandagem feita há sabe-se lá quanto tempo, para mal consertar algo que quebrou a muito tempo também. Pendurada no ombro esquerdo está uma mala com seus últimos pertences, provavelmente restos de alguma coisa que não sei dizer. O olhar está perdido, nublado em meio ao álcool e ao loló, últimos entorpecentes que ele usa para esquecer sua vida.
 
Quando o encontro, ele está se arrastando para algum lugar. Eventualmente, vejo em sua mão cinco ou seis caixinhas de banha de peixe-boi, um dos muitos remédios milagrosos que existem nas mãos dos camelôs da cidade. Não creio que ele consiga vendê-los, mas lá estão os cremes em sua mão. Hoje, porém, ele estava ao lado da Catedral da cidade, sentado na soleira da porta de uma loja, uma garrafa de alguma coisa em sua boca, sem forças para se levantar. Um colega de infortúnio estava ao lado, tão nublado quanto ele, enchendo a sua garrafa com o líquido enebriante. São duas vidas que se arrastam, lentamente, para o seu fim, um fim trágico, um fim solitário, um fim em que ninguém lhe estendeu a mão ou, se isso aconteceu, ele recusou (também pode acontecer).
 
Como ele, são muitos os resistentes, os humanos resilientes a qualquer provação. Sempre me pergunto o porquê eles resistem, mesmo sabendo a resposta. Eles abdicaram de suas vidas para que nós possamos fazer algo, para que nós melhoremos. Não tem nada a ver com eles, tem a ver conosco, somos nós que temos que mudar esse mundo. Eles estão aí para nos lembrar, a cada vez que os encontramos, que poderíamos estar no lugar deles (e provavelmente estivemos, em algum momento do passado). E que deveríamos fazer algo para mudar isso. Mas ainda não fazemos...
 
É impossível não se lembrar dos tempos em que havia mais vida nele. É impossível não ficar triste com o seu destino. Mas é mais difícil ainda viver com a certeza que, se eu pudesse fazer alguma coisa por ele, eu não teria coragem de fazê-lo...

12.2.09

Triste mulher gorda

São oito horas da manhã e lá está ela, a triste mulher gorda, sentada na lanchonete, tomando o seu café da manhã. É um café diet, levinho: uma coxinha de frango com catupiry, daquelas pingando óleo, e uma garrafa de Chocomilk. Talvez tenha também comido uma esfiha antes, quem sabe? Sozinha, ela olha o vazio à sua frente e mastiga. E mastiga.

Triste mulher gorda, sozinha na lanchonete, a pensar na vida. Ela talvez esteja pensando na noite anterior, onde mesmo com as amigas estava sozinha. Sim, pois nenhum homem olha pra ela, a mulher gorda. Suas amigas, magras ou no máximo dentro do peso, chamam os homens. Mas eles não olham para ela, ela é apenas uma mulher gorda.

E por isso, para chamar a atenção, faz-se de assanhada, usa decotes mais que generosos, calças com numeração abaixo da necessária, tudo para mostrar o que pode e assim, quem sabe, chamar a atenção de alguém. Mas ela também sabe que chama a atenção por isso, não por ser quem ela é. E sabe também que, se pegar alguém, será alguém que possui alguma tara por mulheres gordas. E isso a deixa ainda mais triste.

Triste mulher gorda, sozinha na lanchonete, pensando que na segunda-feira tudo vai mudar, pois ela começará enfim aquela dieta a tanto programada. Ela vai parar de comer as frituras que tanto ama e que lhe dão aquela sensação de preenchimento. Ela vai parar de se entupir de doces, aqueles doces que dão aquele sentimento de alegria, de satisfação. Vai parar de tomar refrigerantes, os refris que fazem cócegas no nariz. Vai parar tudo, de segunda em diante, só salada, grelhados e sucos naturais sem açúcar.

Enquanto isso, morde a coxinha e sonha com sua magreza. Sonha tão forte que consegue até ver-se magra, chegando para ela na lanchonete, e perguntando secamente: "E aí, gordona, quando você vai ficar como eu?" Cabisbaixa, pensando em quão dura será a caminhada até lá, ela termina a coxinha e, já que a dieta começa na segunda, pede mais um folhado de queijo e presunto. E responde: "Um dia, queridinha, um dia..." E lambe os beiços cheios de farelo, chegando até a soltar um suspiro de prazer ao ver a gota de gordura escorrer pelo queixo...

23.12.08

Estranho reflexo

Olho-me ao espelho e não me reconheço. Quem és tu, aí do outro lado? Antes eras barbudo, estavas ali, cara de sério, cara de quem tem mais idade, cara de alguém que finalmente assumiu responsabilidades na vida. Teu cabelo desgrenhado enganava um pouco, quebrava o ar sisudo que tua barba te conferia.
Mas agora, quem és tu? No lugar do barbudo, surgiu um gordinho bochechudo. Parece que as bochechas saltaram para fora das órbitas molares para ocupar mais espaço. O cabelo, agora curto, parece te alinhar, te deixar comportado, te deixar com cara de moço correto. Não que não fosses, mas pelo menos a imagem é tudo o que você não queria ter.
Estás ali, de barba limpa e de cabelo curto, no lugar de um barbudo com cabelo meio desarrumado. Tua imagem externa agora representa um pouco melhor o que tua imagem interna é: um homem careta, de pensamento tradicional, escondido de baixo de uma barba e cabelo desarrumado.
Por isso, não te reconheço. Vejo tu, sei que estás onde devia estar, mas não és quem devias ser. E se queres mudar, o que mudarás, teu externo ou interno?

8.12.08

Sentimentos e recompensa

Você trabalha diariamente esperando algumas recompensas. Na maior parte dos casos, gostaria de ter satisfação no trabalho, que ele significasse algo para você mais importante que o dinheiro. Difícil, mas talvez não de todo impossível. Claro que nós trabalhamos também para ter dinheiro, mas gostaríamos que ele não fosse tão sofrido, tão atribulado e tão dissociado de nossa satisfação no trabalho.

Queremos também ser recompensados com promoções, com elogios, quando fazemos as coisas direito. Nesse ponto, continuamos pensando como uma criança que é parabenizada quando faz algo bacana. Queremos o cafuné, o colo, o doce, o brinquedo. Não adianta saber, conscientemente, que fazer direito é obrigatório, que fazer errado é o que merece o castigo.

E o que acontece quando sabemos não ser merecedores de recompensa e querermos mesmo assim. Ou pior, quando o nosso colega ao lado, que sabemos ser mais competentes que nós nesse momento – seja por acreditar um pouco mais no trabalho, seja por se esforçar mais, seja por mérito, enfim, vários motivos que o tornam primeiro lugar na lista de promoções e aumentos de salário -, consegue a promoção antes da gente para ser o nossa chefe?

O racional diz para ficar contente e parabenizar, pois ele de fato merece. O emocional fica meio complicado, pois o ser humano é um bicho difícil de entender. As necessidades animais já foram supridas há muito, e a maldita pirâmide das necessidades de Maslow aparece com força para mostrar que é o ego agora quem quer e pede massagem. É o ego que coloca você em dúvida. É o ego e o pretenso golpe na auto-estima (e vem a pergunta: o que você efetivamente para merecer uma promoção? E, se for sincero, saberás que não fizeste nada...) que te deixam com os sentimentos ambíguos.

Assim, resta voltar ao divã de casa e pensar: "O que você realmente quer da vida?" Você está com 40 anos, o mundo continua girando e você tem que decidir o que fará daqui pra frente. O que te motiva? O que faz você caminhar em frente? O que você quer? O que você fará para te dar sentido a algo que às vezes parece sem sentido? O quê? E, principalmente, por quê? Para quem?

7.11.08

Paternidade ainda que à tardinha

Para meu amigo Negrón

 

Hoje o bom dia de minha filha foi diferente. Houve dois momentos. No primeiro, ela disse: "Sai daqui, não me amola!", quando queria fazer um chamego com ela em sua cama. Depois, quando não deixei ela pegar um gibi que estava no carro da mãe (claro, já estávamos dentro do outro carro da casa, atrasados para sair da escola), fui elogiado com os seguintes termos, não necessariamente nessa ordem: "bobo, burro, feio, grosso e idiota! Você é o pai mais malvado do mundo!" Claro que seu irmão a apoiou. "Ele é malvado mesmo, obriga a gente a fazer coisas ruins, como escovar os dentes todo dia!"

Minha filha tem sete anos de idade, é uma princesinha linda que, quando está de bom humor, é a criatura mais adorável do mundo. De mau humor, porém, se transforma em uma fera que já me faz ter pena adiantado de seus futuros namorados. Meu filho tem dez anos, é um ogrinho de comportamento e higiene, mas um piá superinteligente que antes do elogio me perguntava coisas sobre o zero absoluto da termodinâmica. Eu não sou o pai biológico deles, e isso não importa, pois eles são meus filhos.

Há quatro anos e meio eu embarquei nessa aventura, quando comecei a namorar a minha atual esposa. Ela era viúva, e as crianças vieram naturalmente. Logo após iniciar o convívio intenso e familiar, eu descobri porque a gestação humana dura nove meses. Não é para o feto se formar, não. Os nove meses são o tempo necessário para o ser humano se acostumar à idéia de que nada será como antes. Não haverá mais tempo 100% livre, pois sempre haverá alguma demanda dos filhos. Não haverá espaço para as tuas coisas, pois os brinquedos deles são mais ou menos como gases, eles tenderão a ocupar todo o espaço disponível (manhã termodinâmica, sorry). E, principalmente, não haverá muito espaço para dizer não e ser bem recebido. Todo não virá acompanhado dos elogios que eles me fizeram esta manhã.

Claro que esta é a maneira que eles encontram para desafogar a sua frustração de não ter um desejo atendido. E que é nossa função não atender todos os desejos deles. O mundo não atende os nossos desejos, e desde sempre os pais devem ser aqueles que treinam os filhos para viver numa boa com essa frustração. Nem sempre é fácil, e a tentação de ser mole com eles é muito grande. Ser duro rende sempre um "idiota" na cara. Quando éramos crianças, e isso não faz nem 30 anos, se disséssemos isso, no mínimo levávamos um tapa no rosto. Por isso, pensávamos muito antes de destratar nossos pais. As coisas mudaram, as crianças hoje já sabem mais palavrões aos 7 anos que nós aos 15 de nossa época. E não têm medo de usá-los quando lhes dá na telha.

Sei que não é para ficar chateado. Afinal, provavelmente ela me xingará de coisas muito piores quando for adolescente e eu tiver que ir buscá-la nas festas no horário combinado, quando eu não deixá-la sair no meio da semana porque no dia seguinte tem prova, e coisas do gênero. Claro, isso quando ela tiver 12, 13 anos. Aos 15, ela nem me dará bola e fará tudo isso para avisar depois que fez, não antes que fará. Aos 20, provavelmente, ela começará um processo de fazer as pazes conosco (minha esposa também entrará no balaio) para, quem sabe aos 30, depois de um tempo de terapia, acharmos pais bacanas, que foram duros na hora certa, porque senão a maionese teria desandado.

Sei também que, no grande frigir dos ovos, há mais alegrias que tristezas nesse processo. É muito bacana ver as crianças que nem sabiam andar direito ontem querendo sair por conta própria hoje, levando com eles um pedaço de você, seja no jeito de falar, de comentar as coisas, de ver a vida. São pequenos sinais de que eles são sim seus filhos, e que esses sinais são o teu legado para a humanidade. Resta trabalhar para que eles levem os nossos bons sinais, não a nossa pior parte.

21.10.08

Velhos amigos

Quatro senhores estão sentados à mesa de um restaurante vegetariano. Normalmente, restaurantes vegetarianos já são lugares mais calmos que outros restaurantes. Deve ser o perfil de quem opta por uma refeição sem carne: gente que procura uma comida mais saudável, gente que já abandonou a carne vermelha, pessoas mais pacatas, enfim. (No meu caso, vou a vegetarianos pelo silêncio e pela fartura, mas não abandono um bom churrasco).

São quatro senhores que falam muito mais pelas pausas que pelas palavras. Eles soltam frases curtas, sobre assuntos desconexos, de tempos em tempos. Não há uma torrente de palavras entre eles. Um relembra um local onde se dança, diz que levará o outro, que dá risada, pois aquele problema na perna que o incomoda há anos o impede de dançar. Todos na mesa sabem disso, mas o convite é feito mesmo assim. Algumas frases tem que ser ditas um pouco mais alto, pois a audição já não é mais a mesma. Não há nenhuma troca de idéias, apenas troca de impressões entre eles.

Ninguém fala de suas famílias, nem uma palavra sobre os filhos. O quão diferente eles são de mulheres, que vivem a falar de suas famílias e seus filhos, não importa com quantos anos estejam. Mas todos os senhores sabem tudo sobre a família dos outros, apenas que, por alguma razão, não comentam isso com os outros. Não perguntam, não são perguntados. E as bocas se calam com pedaços de comida, para não ter que falar nada que não se queira.

A refeição acaba, e os quatro se levantam. É uma marcha lenta rumo à porta de saída do restaurante. Um manca, o outro tem uma bengala, o outro caminha aquele passo vacilante de quem já passou da idade de correr, mas vão, firmes e oscilantes, rumo ao resto do dia e de suas vidas, que lhes aguardam logo ali, virando a esquina.

18.10.08

GPS, ou G-Point Search

Meninos, eu descobri!! Nós, homens, temos dentro de nós a ambição de virmos com um GPS embutido. Claro, não falo de um Global Positioning System, esse equipamento que virou moda nos carros do mundo, e que sim pode ser muito útil em países onde não se fala a língua local ou nos Estados Unidos, com aquelas puta auto-estradas com zilhões de entroncamentos, viadutos e passagens. Falo de algo mais simples, mas muito, muito, muito mais prazeiroso, que é o G-Point Search.
Ora, um dos grandes mitos do sexo é encontrar o ponto G das mulheres. E dá-lhe manual, dá-lhe aulas com sexólogos e sexólogas, dá-lhe busca na Internet (curiosidade: o Google registra 40,5 milhões de páginas para G Point e 422 mil páginas para Ponto G, uma prova de que nós brasileiros somos menos encanados com essa busca que os americanos) para ver se achamos esse bendito (ou maldito) ponto que fará as mulheres gozarem loucamente, caírem a seus pés, satisfazerem todos os seus desejos, inclusive os mais sórdidos, porque você sabe onde é o Ponto G dela.
Logo, se viéssemos com um G Point Search que nos dissesse exatamente onde está o ponto na mulher, iríamos direto a ele, tal e qual o GPS popular. Era pegar a moça, deitá-la, acionar o GPS masculino e pimba, gol de placa, arremesso certeiro, tacada infalível. E além de tudo estaríamos posando de grandes amantes. É nunca errar mais o caminho para chegar lá, com todas as metáforas possíveis.
Porém, e há um grande porém nisso, acabaria a graça da coisa. Mesmo em países em que você não fala direito a língua do local, pode haver uma grande graça e diversão em buscar o seu destino final, sem o auxílio de um GPS (claro, estou falando de países em que as chances de você ser depenado por ladrões sejam mínimas, países civilizados). Muitos filósofos já disseram que a busca é tão importante quando chegar lá. No meio do caminho, perdidos, podemos encontrar um vilarejo interessante, uma festa que não aparece nos guias de turismo de tão local que é, um restaurante perdido no meio da montanha com um pernil em trufas sensacional, enfim, tudo pode acontecer, e se estivermos de cabeça aberta, as chances são de que aconteçam mais coisas boas que ruins.
Com a mulher e o sexo, é assim também. O fato de elas insistirem tanto nas preliminares não é que elas não querem te dar. Mas é que elas amam ser exploradas (no bom sentido), ser descobertas. Elas querem que a gente passeie por elas, que encontre outros tantos pontos que não apenas o G, mas também o A, o B, o C, o alfabeto inteiro. Elas querem calma, não afobação. Mais que uma corrida de 100 m, elas querem sempre meia maratona, no mínimio. O prazer de chegar ao Ponto G só é bom se você demorou para encontrá-lo e se divertiu no meio do caminho. Aí, mesmo que você não o encontre, a viagem terá valido a pena.
De todo modo, deixe-o pronto para ser utilizado. Vai que a estrada está esburacada naquele dia, e é necessário chegar rápido lá. Nunca se sabe...

16.10.08

Resiliência humana

Há pelo menos 20 anos ele está nas ruas de Curitiba. É um mendigo, de pele negra, sem a perna direita, e que cambaleia pelas ruas com apenas uma muleta. Sua "morada" é próxima à Praça Rui Barbosa, uma das principais da cidade. Não poucas vezes eu o vi dormindo no meio da calçada, de qualquer calçada, com movimento ou sem. Nunca vi ele nem abrir a boca para pedir esmolas, mas, de alguma maneira que me intriga, ele sobrevive.

 

Eu sei que ele tem uma missão nesse mundo, e a missão dele é nos ensinar alguma coisa. Somos nós, que temos conforto material e boas condições de vida, que temos que nos mexer para mudar o mundo. No entanto, eu me pergunto sempre o que leva pessoas como ele a insistir sempre em sua missão. Não seria mais fácil desistir de tudo, largar dessa vida e esperar a próxima encarnação para ver o que acontece?

 

Parece mais fácil, mas ele e outros milhares de mendigos espalhados pelo mundo não fazem isso. Continuam vivendo pelas ruas, sem abrigo, sem conforto, esperando as migalhas da bondade humana que eventualmente lhes são jogadas. Continuam ali para tentar nos ensinar alguma coisa, algo que nós, teimosamente e por conforto, insistimos em não aprender.

15.10.08

Psicologia corporativa

Trabalhar em uma empresa grande pode dar vários insights sobre a psicologia humana. É que, mesmo em um "organismo" com milhares de pessoas, vemos a repetição de alguns comportamentos que indivíduos possuem.

 

Por exemplo, a mania que temos todos de tentar colocar a culpa nos outros. Em uma empresa, é praticamente impossível que alguém diga que a culpa é sua ou de seu departamento. Na maior parte dos casos, o problema está ou no Jurídico, que não entregou o contrato revisado, ou no Compras, que demorou para liberar o pedido de compra de material, ou no Marketing, que fez um produto errado e uma propaganda feia, mas nunca no departamento correto, Vendas por exemplo, que não consegue vender nada.

 

As empresas também sofrem um pouco de instabilidade emocional. Pessoas, quando submetidas a situações de estresse, tentam várias alternativas para se livrar disso, algumas saudáveis outras não. Na crise dos dias de hoje, por exemplo, as empresas estão todas batendo a cabeça internamente para rever planos de negócios, rever orçamentos, metas de crescimento, tudo. Ninguém sabe se a crise durará ou não, e antes mesmo de qualquer coisa ser definida, todos estão em pânico, sem saber o que fazer.

 

Claro que vários pensadores já viram nas organizações organismos vivos, com comportamentos semelhantes a seres humanos. Só que ninguém disse como esses monstros vão ao divã para se curarem. Onde está o Freud dessa turma? Qual será o trauma de infância das organizações? Complexo de Édipo, de Electra? E a inveja do pênis (já que são as organizações, não "os" organizações), qual é o pênis invejado pelas empresas? Dúvidas, dúvidas...

25.6.08

Pura poesia

Ontem fui almoçar sozinho, como sempre faço para por as idéias em ordem. Na saída do restaurante, duas crianças pequenas tinham um pedaço de papel na mão e uma delas gritava:

- Me ajude! Tem alguém que sabe fazer avião de papel?

Eu estava atrasado e já ia passando reto, não era comigo, elas têm pai, mãe, primo, seja lá quem fosse que os tivesse trazido ali. Mas eu parei, me abaixei até ficar com os meus olhos no nível dos olhinhos puxados delas (eram duas crianças de origem japonesa) e respondi que sabia fazer sim.

Fiz um avião com todo o cuidado (e, pensando depois, da maneira errada, mas que na hora funcionou), olhei para eles, pisquei e convidei:

- Vamos testar?

E joguei o avião. Ele saiu voando, com os olhinhos deles seguindo o avião. Não foi um longo vôo. Mas foi o suficiente para que eles, logo que o avião caísse no chão, abrissem um sorriso e saíssem correndo atrás dele para um novo arremesso. Dei um sorriso de volta e me despedi.

Uma delas ainda teve a presença de espírito de gritar:

- Obrigada!

Foi um aviãozinho de papel meio desajeitado, mas que levou todo o peso que carregava no ombro naquele instante. Abençoadas crianças!

7.3.08

Chega de empulhação (parte 4)

Esta tarde (07/03) a Pró-Reitora de Pesquisa e Pós Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Benigna Martinelli de Oliveira, foi morta durante um assalto em Curitiba (clique aqui). Ao lado está a notícia que dois motoristas do Instituto Médico Legal do Paraná cobravam para liberar corpos, algo que é um serviço obrigatório do Estado (clique aqui).


A Cidade Sorriso (sim, um dia Curitiba já foi chamada de Cidade Sorriso) está a cada dia um pouco mais triste. E a culpa é toda nossa, mas talvez mais de um governador turrão que, em seus devaneios de achar-se perseguido por tudo e por todos, esquece que segurança pública é uma função do governo do Estado. No primeiro caso, falhou a Polícia Militar. No segundo caso, a Polícia Civil. Em ambos, todos dependentes do Secretário de Estado de Segurança Pública, Luiz Fernando Ferreira Delazari, que ficou perdendo muito mais tempo tentando manter a sua boca como promotor de Justiça do Estado do que gerenciando a segurança pública. E este, indicado pelo governador.


Mas o governador, mais preocupado em atacar o prefeito de Curitiba por este ser de outro partido, esquece de governar. Vivemos um metagoverno, em que a palavra vale muito mais que a ação, em que a imagem deve ser cultivada à despeito da realidade. Basta lembrar a ação ignorante e sem fundamentos que o seu irmão, gestor do Porto de Paranaguá, faz contra um jornalista da cidade, cobrando R$ 1 bilhão por danos morais. Isto porque o jornalista divulgou um relatório da Marinha do Brasil, mostrando que o Porto só servirá para pedalinhos e caiaques, se continuar com a manutenção que tem. Sem contar com as Estradas da Liberdade, que ainda devem estar presas em algum lugar pois não saíram do papel, o projeto de retirar areia do Canal da Galheta e por em Matinhos, sem que haja nenhum projeto factível, enfim, um fracasso total.


Deveria o senhor governador cuidar mais do nosso Estado em vez de dar palpites sobre as eleições do Paraguai. Mas talvez seja essa a explicação. Ele quer intervir lá para que pelo menos os produtos paraguaios sejam certificados e que não provoquem efeitos colaterais. Tá na hora de a gente fazer algo pela nossa cidade, pois ela está indo rapidamente pelo ralo.

29.2.08

Chega de empulhação (Parte 3)

Ainda não vi o último documentário do Michael Moore, Sicko, mas deve ser uma coisa muito bacana de se ver. Primeiro, por ver a empulhação que é o sistema de saúde norte-americano, todo ele baseado na iniciativa privada e sem nada de governo por trás. Segundo, por ver que uma alternativa pública é viável.

Ops, alguém pode até perguntar, dado o tom das empulhações anteriores, "mas esse cara agora tá defendendo o sistema público?" Veja só, existem duas concepções diferentes em jogo, uma é tornar a saúde universal e gratuita, e outra a saúde pública e gratuita – exatamente como falei sobre educação. Precisa todo o sistema de saúde (médicos, hospitais, enfermeiros e muitos, mas muitos, funcionários de administração) ser público? Não, não precisa. Pode todo ele ser privado? Sim, pode.


Mas só funcionará se houver um governo competente e concentrado em fazer a coisa certa. Tem que ter um Ministério da Saúde que se preocupe em criar uma tabela do SUS que realmente remunere decentemente os hospitais e médicos pelos procedimentos executados, não a ilusão que é hoje. Fazendo isso, as filas sumiriam da noite para o dia, pois todos os profissionais de saúde teriam interessem em atender pacientes do SUS. E os hospitais e médicos poderiam deixar a tirania dos planos de saúde atuais, que em muitos casos cobram dos médicos para eles trabalharem. Claro que isto significaria eliminar um monte de intermediários que "sugam" pedaços da verba pública de saúde. Mas é possível sim.


E, claro, fiscalização intensa para impedir que os hospitais fraudem o sistema, inventando consultas, procedimentos, cirurgias etc. Pois ao mesmo tempo em que há incompetência na gestão, há má fé de quem abusa da falta de fiscalização. Por isso, fiscalização é o ponto chave. E assim, rapidinho, a saúde seria universal e gratuita. Quer dizer, gratuita não, pois pagamos impostos justamente para ter atendimento, a diferença hoje é que não a recebemos do Estado, somos obrigados a buscá-la por fora. Tristeza...

28.2.08

Maus tratos ao consumidor

Cena 1: Servopa (revenda Volkswagen em Curitiba)

De que adianta ter um painel com senha de atendimento se os atendentes não respeitam a chamada e atendem quem se posta à frente? Pois é, peguei a senha 15, mas só fui atendido depois do 16 e do 17. O que devo fazer, gritar e espernear? Bom, deixei pra lá na hora, reclamei depois, e decidi que provavelmente nunca mais levo o carro lá, nem compro um carro lá. Perderam um cliente.


Cena 2: Pátio do Arvoredo (restaurante em São José dos Pinhais)

Uma carta com 150 vinhos. Beleza, vamos de espumante rosè nacional. Cinco minutos depois, a resposta. "Ah, este está em falta", diz o garçom. Pedimos então o outro espumante rosè nacional. Mais cinco minutos, e a mesma resposta, desta vez com a explicação: "É que tá muito quente e tá tendo muita saída, ontem pediram bastante e hoje uma mesa pediu a última garrafa". Sem contar que um dos pratos pedidos veio cru e um dos restaurantes que motivou minha ida até lá tava fechado sem ninguém ter avisado. Sem contar que erraram na conta de novo, já haviam errado na primeira vez que lá estive. Novamente, um lugar a menos para se ir.


Temos que divulgar todos os maus tratos ao consumidor, pois só assim seremos melhor tratados. Chega de ser refém de quem vende. Felizmente, tem competição para quase tudo (e tem alguns idiotas que ainda querem voltar ao tempo das estatais... Só quem trabalha nelas, é claro.)

13.2.08

Chega de empulhação (parte 2)

(Antes de começar, deixe-me terminar um raciocínio do post anterior. Aquilo tudo vale até o fim do Ensino Médio, que deveria ser profissionalizante. As universidades todas deveriam ser privadas, todas. E vamos fazer que nem nos Estados Unidos: bolsa de estudos para quem se destaca, mensalidade para o resto. A bolsa pode ser custeada pelo governo, desde que haja mérito em sua conquista, ou pela própria universidade, que viveria das mensalidades dos alunos, de doações de gente que dá valor ao ensino e de convênios com a iniciativa privada para a realização de pesquisas. E aí, fim da mentira do uso da verba pública em educação, onde as universidades recebem uma parte do bolo desproporcional ao número de alunos atendidos.)

Cara, se tem algo que pode irritar profundamente uma pessoa é ver um dia do seu salário comido com o imposto sindical. É literalmente um dinheiro jogado praticamente no lixo. Digo praticamente pois alguns sindicatos, uma vez por ano, aparece em ação negociando os salários da categoria. Mas, na maior parte dos casos, é só isso. Em alguns, nem isso.

O imposto sindical é obrigatório, todos pagam. O trabalhador paga, os empregadores pagam. E o governo repassa a todos os sindicatos laborais e patronais que existem. Todos. Inclusive para o Sindicato dos Acupunturistas e Terapêutas Orientais do Paraná, o Sindicato das Empresas de Locação de Bilhares do Paraná, Sindicato dos Armazéns Gerais no Estado do Paraná, Sindicato dos Carregadores Autônomos de Volume de Curitiba, e até mesmo do Sindicato dos Empregados em Entidades Sindicais e Profissionais do Estado do Paraná. Procure na internet e verás sindicato que não acaba mais.

E quando passa desapercebido pelas militâncias petelhas que o imposto sindical pode virar opcional, veio uma chiadeira até de sindicato que ninguém sabia que existia. Claro, acabaria a mamata. Os sindicatos (patronais e laborais) finalmente teriam que mostrar serviço para que os trabalhadores quisessem pagar pelo serviço deles, quisessem de verdade se associar. Do jeito que é hoje, os caras que lá estão ficarão para sempre e os que sustentam o sindicato, como são obrigados a sustentá-lo, às vezes sem saber, não aparecem. Ou seja, entidade representativa dos trabalhadores é um eufemismo, pois eles só representam, na maior parte do tempo, a si próprios.

É uma empulhação o imposto sindical. É uma empulhação a obrigatoriedade de um sindicato por categoria, com exclusividade nela. Esta é uma atividade que, hoje em dia, não apresenta risco algum. Todo ano o dinheiro do imposto sindical cai na conta do sindicato, ninguém presta contas direito, e ficamos por aí. Que lástima!!

Tomara que os nobres deputados e senadores continuem dormindo no ponto e que a lei que acaba com essa empulhação passe batida no Congresso. Vereis no dia seguinte insígnies líderes sindicais clamando contra "o fim da organização dos trabalhadores", "a soberania dos sindicatos patronais (que pelo menos, parecem trabalhar um pouco mais que os laborais)", "o perigo do trabalhador não ter uma voz forte o suficiente para ser ouvida", enfim, balela de quem não precisa bater metas. Bem que o Congresso podia aproveitar e acabar também com o vergonhoso imposto que sustenta o sistema "S". Se é bom, as empresas contribuem voluntariamente. Se é ruim, tem que melhorar ou fechar. Simples assim.

11.2.08

Chega de empulhação (parte 1)

Cara, a gente vai cansando do que fazem aqui e em muitos países do mundo. O discurso de quem está no poder é pura empulhação. Vejam só o que dizem todos (com raríssimas exceções): "queremos o ensino público gratuito!" Que balela!! Do jeito que é hoje, as chances de que ele seja de baixa qualidade, que atraia professores ou movidos pela paixão de ensinar (que muitos há, com certeza, mas que abandonam sua paixão quando vêem a remuneração que percebem) ou sem competência, mas desairosos de se tornar funcionários públicos e viver na mamata.


Pois é. Tenho um tio que uma vez me disse uma coisa que até hoje me marca e que tenho certeza que funcionaria e acabaria com uma tacada só a moleza dos professores que fingem que ensinam, do estado que finge prestar ensino e do nosso dinheiro pago em impostos sumir nos escaninhos do Ministério da Educação e seus "n" sub-órgãos.


Ele falou que o melhor seria cada criança em idade escolar receber um cheque mensal, cheque que só poderia ser utilizado para pagar mensalidades escolares, para gastar na escola que quisesse. Veja bem, TODAS as crianças receberiam o cheque do mesmo valor. Se o pai da criança quer colocá-lo em uma escola que custa mais do que o cheque que recebe, ele paga a diferença.


E as escolas seriam todas privadas. Aí todas competiriam para melhorar os serviços prestados, ou seja, melhorar a educação. Como todos seriam funcionários privados, não teriam a chance de ficar parados três meses recebendo por salários, o dinheiro não se perderia pelo caminho pois o cheque significaria dinheiro na mão da escola direto, o governo deixaria de ter sabe-se lá quantos mil professores, diretores, sub-diretores etc... E para garantir a qualidade, o Estado só permitiria que escolas certificadas pelo Ministério da Educação (que enfim teria dinheiro para montar uma estrutura de fiscalização e controle decente) com notas boas no Enade.


E o que teríamos com tudo isso? "Ensino gratuito universal!!!" O que é melhor, que todos tenham direito à escola ou que a escola seja pública? Percebem a empulhação que o corporativismo de uma classe (normalmente associada a partidos da esquerda jurássica) tenta nos passar? Eles não querem ensino para todos, querem é ensino público. Nunca falam no universal. Se a criança recebesse o cheque e usasse na escola que sua família escolher, desde que todas recebem, não é melhor que ter todo um sistema que é ineficiente? Sem contar que assim todos receberiam o benefício, ou seja, quem paga impostos e quem não paga seria beneficiado. Hoje quem tem filhos em escolas particulares paga duas vezes pelo ensino, uma na mensalidade e outra nos impostos.


Chega de empulhação, vamos pensar diferente este país!!

O eu, o me, o mim

A grande tentação que acomete quem tem um blog é passar a escrever apenas e exclusivamente sobre si mesmo. Ainda que se tenha a pretensão de se dar uma opinião sobre os assuntos, o que é muito bom e salutar, em boa parte do tempo o trabalho se perde no nheco-nheco do "eu fiz, eu vi, eu acho, eu consegui, eu perdi...", ou seja, há apenas três pronomes que são ditos: eu, me e mim.

Acaba que, na maior parte dos casos, a vida das pessoas não chama atenção alguma. Todas são interessantes sim, mas apenas quando são contadas por elas sem a pretensão de se dar uma mensagem ao mundo. Quem não gosta de entrar em um boteco e escutar as pessoas falar de suas vidas, do que aconteceu, de rirem todos de uma piada que só quem está ali entende?

(Corta para momento egotrip. Estávamos minha esposa e eu [pelo menos eu convido mais alguém para a festa] em Pinhão (Portugal), quando bate a fome. Entramos em um hotel hiperchique mas ninguém dá bola. Daí que saímos do hotel para entrar em um boteco na frente da estação de trem. O bar tem lá suas seis, sete pessoas, todas conhecidas uma das outras. Ali, logo entramos na vida delas. Começamos a contar piadas, sabemos quem está apaixonado por quem, quem irá para onde, quem virá. Mas parece que ninguém diz eu, me, mim. Muito bacana!)

Mas a maior parte do mundo só olha para o seu próprio umbigo. A humanidade não lhes diz respeito, não merece consideração. E assim, vale apenas o filtro pessoal, o eu, o me, o mim. Esta parte da humanidade, infelizmente, não é interessante. São todos potenciais participantes de uma edição qualquer do Big Brother. Gente que gosta de aparecer, que tenta aparecer de qualquer maneira, sem ter nada a dizer.

Acaba que isto infelizmente é normal nos dias de hoje, e há rencas de blogs, sites, fotologs, videologs e sei lá mais quê com apenas a vida comezinha deste povo. Ainda que haja poucos espaços em que a egolatria não têm vez (e não coloco este blog entre eles, ainda há muito que caminhar), a maior parte de tudo é o eu, o me, o mim. Que lástima, já diria Charlie Brown....

7.2.08

Para sempre, talvez

Era uma manhã normal, como a maioria das manhãs. Ele percorria o caminho de sempre rumo ao seu escritório, onde um dia de poucas emoções com certeza o esperava. Nenhum pensamento o assolava, nem bom nem ruim. Talvez uma ou outra vontade de que algo diferente acontecesse, alguma boa notícia que lhe trouxesse mudanças de ares, ou um dinheiro inesperado. Mas como as chances eram pequenas, ele prestava atenção apenas ao seu caminho.

De repente, a luz aparece. Um casal de idade vem subindo a rua na direção contrária. Casais de idade há vários, muitos por aí. Mas este parecia diferente. Ele e ela tinham mais de 70 anos, com certeza. E estavam juntos, de mãos dadas. Claro, há vários casais de idade de mãos dadas por aí. Mas este estava junto, de mãos dadas, e conversando. Claro, há alguns casais de idade de mãos dadas por aí, conversando. Mas este estava junto, de mãos dadas, conversando e rindo. Rindo!! E os que ainda riem juntos nesta idade são poucos.

Ele ri junto com o casal, que nem percebe que estava sendo observado. Os dois velhinhos estão fechados um no outro. Eles se bastam, o resto do mundo é um detalhe para eles. Eles transmitem uma sensação boa, um sentimento gostoso de que tudo é possível, que talvez exista de verdade uma relação em que ambos se completam mas não são dependentes um do outro. Que os laços que os unem são de afeto e amor. Que eles se gostam, não que se toleram por medo de ficar sozinhos. Um casal bacana.

Seu dia muda. Ele começa a pensar em sua esposa que não está na cidade naquele momento. E se pergunta o que pode fazer para também repetir este fato para que um dia, ele e sua velhinha, juntos na rua, de mãos dadas, possam rir de qualquer piada que um ou outro dirá. Passo a passo, ele vai construindo sua estrada, e mesmo as nuvens lá no céu não resistem à luz que emana dele.