Pesquisa do Palavrório

9.2.05

Business is business

Não adianta. Onde quer que o homem esteja, se o que ele estiver fazendo for popular, atrair gente e quem sabe alguma câmera de tevê, isso vira um negócio instantaneamente. E com o passar dos anos os puristas da atividade reclamarão que tudo virou um grande negócio, que os cifrões ditam a pauta da atividade e que a tradição foi para o vinagre. Já os entusiastas do capital dirão que a evolução é isso aí mesmo, que não tem como evitar, essa é a onda, e por aí vai.

Veja o que aconteceu no Carnaval do Rio esse ano. A Portela, uma das escolas de samba mais tradicionais de todas, tava atrasada no desfile. E para não perder pontos no concurso, o presidente da empresa proibiu que a Velha Guarda, aqueles simpáticos senhores e senhoras de pele enrugada parecendo ter mais de 100 anos, entrassem na avenida para desfilar. Logo eles, que vivem o ano na perspectiva daquela meia hora de travessia aos olhares do mundo.

O que aconteceu é que finalmente os velhinhos aprenderam que aquela paixão que eles tinham antigamente pelo Carnaval foi transformada em negócio. Biznes, em bom português. Cifrões mandam, e se os senhores vão atrasar a escola, fiquem de fora. “Sinto muito se o senhor vive a sua vida para estar aqui, mas essas são as regras, precisamos ganhar”.

Na Bahia também ficou assim. O axé ficou popular, e a tevê chegou em seguida, e agora só se diverte com uma certa tranqüilidade quem compra o abadá de algum bloco. Falta industrializar o Carnaval de Recife. Mas talvez o frevo não seja tão comercializável quanto os peitos e bundas cariocas e baianos. O Bumba-meu-Boi já é um negocião na Amazônia.

Alguém pode dizer que é a regra do jogo. O capital é isso mesmo, se apodera do que é popular e o transforma em pop, para gerar lucros e dividendos. Sim, essa é a regra, mas nada impede que você não concorde com ela e queira mudá-la. Um mundo sem dinheiro com certeza seria bem melhor.

2.2.05

Contradições do crescimento

"If Ireland is the best place to live," irish writer Joseph O'Connor said, good-naturedly, "God help us."

Esse é o resumo do país europeu mais parecido com o Brasil e seus dilemas nos dias de hoje, a Irlanda. Menos de uma década atrás, a Irlanda era um dos países mais pobres da União Européia. Hoje, a Irlanda é um dos mais ricos do mundo. Quase dez anos de uma política efetiva de crescimento provocou esse salto enorme.

Tão grande que os irlandeses estão desconfortáveis. Pela primeira vez em sua história eles têm a chance efetiva de erradicar a pobreza do país. No entanto, o “ser pobre” é quase parte da identidade nacional irlandesa. É como se, com dinheiro na mão, eles preferissem continuar pobres por não saberem como comer um prato cheio. O debate chega a ser surreal, pois quem quer continuar pobre?

Claro, não é bem esse o medo deles. A preocupação é perder características enraizadas no modo de ser irlandês – em especial a capacidade de rir da desgraça e o sentido de comunidade. É sabido que o dinheiro corrói essas características. A prova? Você já ouviu algum comediante suíço? Ou um atividade de bairro de Helsinki?

A Irlanda ser o “efeito Orloff” do Brasil (para os mais jovens, o mote da propaganda era “Eu sou você amanhã”). Gostaria muito de poder enfrentar esses dilemas que a Irlanda passa hoje em dia. Não sei se temos as pessoas certas na condução do país para que isso aconteça. Mas, lá como aqui, tudo é possível. Até o Lula acertar ao dizer que seremos uma potência ao final do século XXI. Só acho que não precisamos esperar tanto...