Pesquisa do Palavrório

11.5.09

Dificuldades, eu?

Hoje ajudei uma cega a atravessar a rua. Daí que acabei guiando-a por mais duas quadras. Ela levava um cactus nas mãos. Achei estranho que uma cega levasse um cactus, afinal, nem acariciar a planta ela poderia. Mas ela me contou que, quando era criança, na casa onde moravam, havia um cactus pequeno que ela e o irmão cuidaram até virar um cactus grande, que superava o beiral da janela, com orelhas como a do Mickey. Logo, ela tinha visão e a perdeu em algum acidente. Ela também contou que havia três pés de caqui no seu pomar. E que um dia, logo depois do dono do terreno morrer, a prefeitura veio e colocou tudo abaixo, cactus, caquizeiros e as outras árvores do pomar. E ela e o irmão choraram um monte. Mas hoje, mesmo cega, ela comprou um cactus.
Na sexta estava esperando minha família me pegar em frente ao serviço. Olhava o movimento, quando o menino apareceu. No lugar dos braços, dois cotos, sem mãos. As pernas eram finas, quase somente a pele sobre o osso. Ele usava um óculos grosso, típico de quem tem miopia. Um dos filhos da infame talidomida. E levava pendurado no pescoço o crachá de onde trabalhava. Sem mãos, quase sem braços, quase sem visão, com pernas que permitiam apenas um caminhar claudicante, ele trabalha e batalha por alguma coisa, algum sonho que tem.
Hoje minha esposa me contou uma história. Ela estava no seu trabalho quando um senhor, que ela só havia visto uma vez por conta de um serviço que ele prestou a ela, chegou quase chorando ao seu escritório. O senhor vinha pedir ajuda. Seu filho, no dia anterior, havia morrido. O filho e sua namorada foram à praia e subiram em umas pedras para tirar umas fotos. Uma onda forte veio e jogou ambos ao mar. Nenhum dos dois sabia nadar, mas o moleque, de 19 anos, fez o que pode e conseguiu salvar a menina. Mas não conseguiu se salvar. O homem, desesperado e enraivecido - "não é justo um pai enterrar um filho, não é justo!" - e ao mesmo tempo suplicante, vinha pedir dinheiro para poder pagar a uma funerária transportar o corpo para ser enterrado na sua cidade. Ele não tinha mais a quem pedir dinheiro, já devia ter pedido a todos os conhecidos, mas ninguém tinha nada. Demos o dinheiro para ele, que saiu com sua dor.
Eu parei algumas vezes durante o dia para pensar na cega, no deficiente físico. Depois pensei no senhorzinho que perdeu seu filho. E fiquei com vergonha de mim mesmo de achar que tenho alguma dificuldade grande o suficiente que me emperre a vida.

2 comentários:

Allan disse...

As vezes paro pra pensar em situações parecidas...
Como nós com tanto que temos, conseguimos ficar triste e outros com tão pouco conseguem chegar em casa e ser feliz...

Cleyton Cabral disse...

Texto belo e triste, Adriano. Abraço.