Pesquisa do Palavrório

23.3.10

Via crucis burocrático

Se existe algo que dá nos nervos de quem quer produzir nesse país, é a burocracia e a leniência com que o cidadão é tratado quando tem que recorrer a qualquer órgão público. Se você vai a um cartório, é para confirmar que você é você. Isso é ridículo, mas é assim que funciona no Brasil. E tem lógica um cartório de registro de imóveis demorar cinco dias para emitir um registro em Curitiba, e sair na hora em Campo Largo? Não, não é lógico, não consigo entender.
Nos tribunais, em alguns casos você é bem atendido, em outros não. Mas, na maior parte, é um vai e vem de números, guias, pagamentos, autorizações etc. Em Curitiba, precisa da assinatura de um desembargador ou quem quer que seja para expor um cartaz no elevador. E tem que estar carimbado, assinado, registrado, se quiser voar (ah, Raulzito!). Fora o elevador privativo das "otoridades". Ridículo.
E o serviço de atendimento ao cidadão em prefeituras, governo do estado, secretarias etc? Em alguns casos, novamente as exceções, a pessoa é bem atendida. Nos outros, parece que estão fazendo um favor a você, que paga seus impostos para alimentar essa caterva de barnabés. E quando cometem um erro, é apenas "ops, errei". Nada de dizer as consequências do que pode acontecer, alertar para os riscos, tomar cuidado com a informação cedida. Não, o risco é do contribuinte.
Quem defende o Estado Mínimo, como eu, não o faz por razões ideológicas, mas práticas: quanto menos funcionário público com estabilidade no emprego, melhor. Se puderem eliminar de vez os cargos comissionados (celeiro de mamatas) e acabar com a estabilidade, já é meio caminho andado. Se puserem ainda indicadores de produtividade, aí quase chegamos lá. Quem sabe?

15.3.10

Problema de criação

A maior parte das pessoas se sente bem não fazendo nada, acredito. Há uma imensa batelada de gente que recebe o bolsa família numa boa e fica agradecida por não ter que oferecer contrapartida alguma.  Há milhares de funcionários fantasmas por esse país afora, deixando de fazer aquilo para o que foram contratados. E não são apenas funcionários públicos, há muitos fantasmas também nas empresas privadas. No linguajar moderno, são os presenteístas, o contrários dos absenteístas, que estão presentes mas não fazem nada. Funcionário público fantasma já é conhecido por muitos, infelizmente vicejam em todas as repartições públicas do Brasil.
Mas há quem não consiga ficar parado esperando as coisas acontecerem, por mais que lhe digam: "calma, fique observando apenas, por enquanto tá bom, não precisa fazer nada mesmo." E receber por isso?! Parece uma afronta ao dinheiro de quem está pagando, ainda que ele tenha dito expressamente que não é necessário fazer nada no início.
O problema é de criação. Quem foi criado na filosofia do trabalho não acha certo relaxar. O corpo deve estar fazendo algo, sempre. Tem que ter suor. Trabalho sem suor não é trabalho digno, e por isso busca-se de alguma maneira estar ativo fazendo alguma coisa suarenta, física. Tem que trabalhar, tem que produzir, tem que fazer algo. Realizar, executar, fazer. Planejar não, pois isso é cerebral, e trabalho cerebral não tem valor.
Pusta meleca ter esse tipo de educação de vez em quando...

12.3.10

Tristes países

Tenho dois países, o Brasil e a Itália. Moro no Brasil, morei na Itália. Em ambos, dois governos de perfil autoritário, que não gostam da contestação a suas idéias, populistas, que preferem dar esmola e subsídios a quem não produz que estimular o trabalho e a educação. Alguns poderão achar estranho, mas o Lula e o Berlusconi são muito, mas muito parecidos. Não se fala aqui de esquerda ou direita, mas de características pessoais.
Com todos os esforços que o governo Lula fez para tentar controlar a mídia nacional - vamos deixar de lado os milhões gastos com publicidade que sustentam milhares de veículos picaretas por aí - vê-se que seu sonho é ser que nem Berlusconi, que tem três redes de TV privadas e controla as outras três estatais por ser o primeiro-ministro. Mas Lula não é, e tem que aguentar um que outro jornal mais crítico.
Lula tem imunidade pelo cargo que ocupa. Até hoje não respondeu ao juiz que conduz o processo do mensalão - por escrito. Berlusconi tentou criar uma lei que lhe desse imunidade. A Corte Suprema negou. Agora passou um outro projeto que autoriza ele e alguns outros ministros a adiar em até 18 meses sua ida ao tribunal caso citado em processo. Por enquanto está valendo. E o que ele quer é passar uma outra lei que determina um prazo máximo de dois anos para julgar o que for. Isso sem dar nenhuma estrutura ao Judiciário. Fácil.
Na Itália haverá eleições regionais no próximo mês. Na região do Lazio, o partido de Berlusconi não entregou a lista de candidatos à Justiça Eleitoral dentro do prazo. O responsável disse que parou no caminho para comer um sanduíche. O partido do Berlusconi contestou, mas os juízes disseram que simplesmente a lei não havia sido cumprida. Berlusconi pediu aos seus manifestantes para invadirem as praças e protestarem contra a lei. Lula faz campanha para Dilma há quase um ano. Seus arroubos verbais são flagrantes atos de campanha antecipada, à revelia da lei. Sua resposta a essas acusações é que a lei não é bem clara, e que ele não faz campanha. Para ambos, a lei só é boa quando é para os outros, não para si.
E, nos dois países, quem trabalha sofre. Quem é honesto sofre. Cria-se, no Brasil e na Itália, a mentalidade de que legalmente não se pode progredir. Berlusconi é idolatrado por uma parcela dos italianos que acham que sucesso pessoal conseguido com quaisquer meios é mais importante que sucesso com lisura. Lula não diz, mas apóia todos os seus chegados que cometeram alguma irregularidade: os 40 do mensalão, os aloprados da campanha de 2006, o presidente da Bancoop, o seu churrasqueiro, o ministro que violou o sigilo do caseiro, enfim, todo mundo é por ele perdoado. Coloca-se o torto e o incorreto como justificáveis, "o ser humano é assim mesmo..."
Quem trabalha honestamente, paga seus impostos, tenta não cometer muitas irregularidades no trânsito, procura ser sincero nas relações pessoas, tenta não explorar o outro, em meus países, essas pessoas são chamadas de trouxas. Talvez sejamos mesmo, trouxas. Mas acreditar que é possível crescer sendo justo e honesto talvez seja a única maneira de dormir com a certeza de que se constrói um mundo melhor para nossos filhos, ainda que demore pra caramba...

11.3.10

Os euscritores

Há escritores aos borbotões por aí, inclusive este que vos tecla. Sempre os houve, e sempre os haverá. Mas existe um fenômeno atual em que aparecem cada vez mais os "euscritores", isto é, os escritores que não conseguem falar de outra coisa a não ser do próprio umbigo e da relação de todo o resto do universo com ele.
É fácil reconhecer um euscritor. Em primeiro lugar, ele fala apenas de si próprio. Todos os seus textos têm obrigatoriamente algum pronome na primeira pessoa: eu, meu, minha, me, para mim. Eventualmente, há um nós, ou nosso, se o euscritor estiver comentando algo acontecido com ele e outra pessoa ou animal. Mas, mesmo nesses casos, o pronome coletivo serve apenas para situar o euscritor em primeiro lugar e a outra pessoa em qualquer outro lugar que não o principal.
Em segundo lugar, há um deslocamento no foco do texto para as opiniões sempre subjetivas do euscritor. Se ele estiver falando do terremoto do Chile, começará por ele mas falará do seu drama uma vez na Turquia quando a terra tremeu um pouco, e lasque-se o Chile. Se estiver falando de livros, falará do que aconteceu com ele no dia em que leu o livro. Se estiver falando de tecnologia, o ponto de partida é um dia em que acabou a luz na casa dele, o de como ele se sentiu desconectado do mundo e relaxado e de como ele manteve o computador desligado quando a luz voltou e se manteve bem. Ou ainda, pegará sempre uma idéia sua e a comparará com a de alguma pessoa famosa para dizer que a pessoa famosa pensa como ele, e não o contrário.
Por fim, os euscritores não conseguem se imaginar na pele de outra pessoa para escrever. Não há empatia com as pessoas que não são ele, não há relação. O mundo gira ao redor de seu umbigo, e apenas as suas opiniões são as válidas. Usando o vocabulário do cinema, todos os outros são coadjuvantes no filme em que a única estrela é ele.
Veja, não há problema algum em um escritor brincar de euscritor de vez em quando. No entanto, os grandes escritores, quando fazem isso, tomam cuidado de extrapolar o seu cotidiano para, a partir dele, elaborar ideias sobre o universo ou coisa que o valha. A sua experiência é base para um pensamento maior em que o leitor pode se identificar e reagir de alguma maneira.
O euscritor, pelo contrário, não provoca nem extrapola, apenas despeja o seu narcisismo no texto para tentar mostrar-se importante. E, ao fazer isso, aderem involuntariamente à grande mania mundial dos big brothers e coisas do gênero. Eles escancaram suas vidas nas páginas para uma patuléia sedente da vida dos outros, que não quer viver a própria por seja lá qual razão. Os euscritores são a versão high intelectual da baixaria dos reality shows. E, muito provavelmente, críticos dessa superexposição. Me errem, fubangos!!

10.3.10

Para onde estão indo as bundas?

Ando pelas ruas procurando-as e cada vez as vejo menos. Falo de bundas, bundas femininas, belas bundas femininas, daquelas que querem fugir dos jeans que as levantam e aprisionam. A cada dia, parece que há menos bundas na praça!
Sei que moro em Curitiba, uma cidade mais branca que negra ou índia, e que as bundas que andam por aqui são menos formosas que as cariocas e as nordestinas. Mas houve uma época em que havia mais bundas pela cidade. Mesmo meninas branquelas tinham belas calipígias adornando-as, eventualmente. Hoje, parece que as bundas sumiram, foram fatiadas por algum maluco americano que só gosta de peitos (uma homenagem à nossa colega de faculdade, Márcia Fa!).
As meninas enfiam-se em jeans superapertados que, quando vistos de lado, ainda mostram alguma protuberância na traseira, mas quando vistos de costas, mostram que elas não têm mais quadris. Junto com as bundas, perde-se aquela curva que o fim do tronco fazia com as ancas (ainda sou do tempo de ancas), mostrando, ou melhor, não mostrando mais uma bunda. Estão magrelas, estão raquíticas, estão desaparecendo.
Os peitos, em compensação, abundam (desculpem-me pelo trocadalho do carilho). Se você as vê de frente, vê o avanço dos decotes na direção do umbigo, com toda a tecnologia dos soutiens a levantá-los e provocar fendas que nos convidam a mergulhar e perder-se. E fica assim a situação: a mulher vem andando. Primeiro você vê os peitos, depois a cara (não que importe muito para uma secada apenas) e, à medida que ela passa, vai se virando para visualizar o perfil e então decepcionar-se com o desaparecimento da bunda.
Onde estão, para onde vocês foram, ó belas bundas, belas calipígias? Onde vocês estão para que possamos apreciá-las para mandar essa tara americana de bebê não crescido que continua pensando nos peitos da mãe e voltar a sermos o que sempre fomos, amantes das bundas? Procurarei sem cessar, até encontrar, pois para algum lugar elas devem ter ido. Assim espero.

4.3.10

A dificuldade de se lidar com o ócio

É difícil lidar com o ócio. Fico angustiado, tenso, vou pulando de uma página a outra na internet, em busca de algo com que distrair o cérebro para não pensar. Não quero pensar, não estou com vontade de encarar meus demônios íntimos nos meus momentos de ócio, pois, se não tenho nada para fazer, vou pensar, e inevitavelmente vou filosofar.
Não quero filosofar, quero apenas executar coisas, raciocinar apenas o que devo para executar bem minhas funções. Não quero tomar grandes decisões a respeito da minha vida (até deveria, chega de ficar enrolando), quero deixar para lá o que realmente preocupa e aflige para ver meu cérebro flanar pelas efemeridades da vida: o trabalho, o futebol, as fofocas, as novas descobertas da medicina etc. Pode ser um assunto até mesmo espinhoso, mas será sempre uma distração para não pensarmos no que devemos, naquilo que mais nos aflige, que é nosso destino.
Se estou ocioso, quero logo fazer algo. O ócio criativo talvez seja só uma boa idéia para se ler livros, não para realmente ocupar a vida. Isso porque no ócio temos que pensar com as próprias pernas, sem o apoio de um texto bacana, ou de um filme legal, ou do que seja. Temos que pensar, e essa obrigação é complicada.
Pensar é perigoso.