Pesquisa do Palavrório

16.12.13

Hora de enterrar os seus

Está chegando a hora de enterrar os meus. Ambos não são tão velhos assim, mas a saúde pregou peças neles e a hora fatal chegará antes do que eles queriam, antes do que eu imaginava, antes de qualquer preparação mais longa.
Não é que isso não fosse esperado. Em algum momento, eles morreriam antes de mim, se a vida e a natureza seguissem o percurso lógico. E apesar de meus abusos, consegui não subverter a regra da natureza. Então, a hora está chegando.
Não sei direito o que sinto quando penso nesta realidade. Não sei se sentirei falta, alívio, remorso, raiva, dor, compaixão, não sei. Há muita coisa passando pela cabeça, nem todas muito boas ou descentes a ponto de serem ditas, e não há muita vontade de analisá-las, não agora. Deixa as minhocas ficarem passeando.
Vários colegas e amigos já passaram por essa estrada que eu começo a trilhar agora. Todos dizem que é difícil, mas que com o tempo se acostuma a tudo. Também acredito nisso, o que não me impede de continuar não gostando disso. Acredito em Deus, com d maiúsculo mesmo, e sei que ele escreve certo por linhas tortas. Mas ninguém me obriga a achar o texto legal.
Logo virá a hora de enterrar os meus. Nada mais natural que um filho enterrar seus pais, cremar, o que for. Até o momento em que o filho é você. Aí, nada mais é natural.

9.9.13

Sem nada...

apatia

(grego apátheia, insensibilidade, apatia)

s. f.

1. Falta de energia.

2. Indiferença.

3. Indolência.

 

indiferença

s. f.

1. Qualidade daquele ou daquilo que é indiferente.

2. Falta de cuidado, de zelo.

3. Apatia.

4. Desprezo.

5. Negligência.

6. Estado de uma pessoa a quem tão pouco importa uma coisa como o contrário dela.

7. Frieza; insensibilidade.

 

desmotivação

(desmotivar + -ção)

s. f.

1. Ausência de motivo, de fundamentação.

2. Ausência de motivação. ≠ MOTIVAÇÃO

 

desmotivar

(des- + motivar)

v. tr. e pron.

1. Privar(-se) de fundamento, motivo.

2. Privar(-se) de motivação.

 

fundamento

s. m.

1. Base principal.

2. Prova.

3. Causa.

4. Motivo.

5. Fundação.

 

2.9.13

Famílias e famílias

Houve uma época em que toda família era Doriana. Claro, em algumas havia um ou outro grão não processado, alguma imperfeição, qualquer coisa que deveria tirar aquele sorriso besta do rosto de todos que nunca se desmanchava. Mas essas imperfeições não apareciam, e tudo parecia bom.

De repente tudo o que era perfeito foi desaparecendo. Primeiro os casais começaram a se separar, e o pai já não vivia com a mãe na mesma casa. Normalmente, o pai era o cara que saía, e os filhos ficavam com as mães. (Pequena dúvida: será que a homossexualidade se tornou mais popular depois que gerações e gerações de mães afirmaram peremptoriamente que "seu pai é um canalha, homem nenhum presta!", ou isso não tem nada a ver? Nesse caso, onde entrariam as homossexuais mulheres?). A coisa já começa a complicar.

O homem, devido à sociedade machista que ainda temos, conseguia casar de novo mais rápido que a mãe, que sofria com o estigma de ser desquitada ou divorciada. E logo a criança tinha uma madrasta, que podia ou não trazer filhos de uma outra relação. Se ela tivesse filhos com o pai, era um meio-irmão, que se juntava aos irmãos tortos, que moravam na mesma casa mas não compartilhavam o mesmo sangue.

E crianças que vêm de famílias mambembes?Há crianças vêm de lares desfeitos, de partos de mães solteiras sem condições de criar filhos. Há as crianças que têm pais conhecidos mas não podem ficar com eles pois são adultos com problemas psicológicos severos, crianças que sofreram abusos físicos e psicológicos tremendos e que, para o seu bem, não podem ficar com os pais. E todas elas, enquanto não aparecem uma ou duas almas abençoadas dispostas a cuidar delas, ficam em lares provisórios, à espera de uma migalha de atenção.

E há uma quantidade imensa de gente por aí dizendo que família é só aquela que deus criou. Claro, são pessoas que não conseguem olhar para fora do próprio umbigo. O grande medo deles é que o homossexualismo se transmita para o filho. Ora, se isso fosse verdade, não haveria homossexuais, não é mesmo? Afinal, seus pais eram heterossexuais. Família é aquela que se junta em torno de um projeto comum, pouco importando os laços de sangue. Se laço de sangue fosse tão importante, não haveria adoção nem por parte de heterossexuais.

Tá na hora da Doriana começar a fazer novas famílias para ver se empurra um pouco de civilização goela abaixo dessa gente, junto com um pouco de margarina para descer mais fácil.

20.8.13

Gangorra cambial

O título parece sério. Para o leitor, significa que o cronista, comentarista ou coisa que o valha falará sobre o sobe e desce das moedas internacionais. Atualmente o dólar sobe, o real desce, junto com ele a rúpia, o rublo, o rand (notaram que são todas moedas com "r"?), o yuan talvez não, sei lá. Mas não será esse o tema. Queria achar um gancho para falar de outra coisa.
Sei que a economia move o mundo, sei que o dinheiro faz as coisas andarem, que trabalhamos para ter mais conforto material para podermos viver melhor, que podemos até não ser escravos do dinheiro ao não querer ficar acumulando tudo sem sentido. Mas que o mundo é escravo do dinheiro é.
Claro que importa sabermos que o dólar sobe, pois afeta a inflação, e isso afeta o nosso dia-a-dia. Mas quantas pessoas no mundo sabem exatamente os jogos que são feitos com as taxas de câmbio pelo mundo? Quantos nesse exato momento estão lucrando milhões e bilhões antecipando movimentos que os governos farão para se proteger? É um jogo bruto, desumano até.
Na maior parte dos casos, somos mera massa de manobra para alguém ficar megamilionário. Pagamos o preço de nossa existência para enriquecer alguém além da conta. E o que esse cara vai fazer? Comprar uma Ferrari por R$ 71 milhões para dizer que pode gastar esse dinheiro.
Somos egoístas e temos vontade de nos exibir para todos, esse é o problema.
O câmbio importa, mas importa menos que a vida. Mas ninguém se importa com isso ainda.

13.8.13

Vontade de mudança

Às vezes, queremos mudar somente pelo ato de mudar. Mudar para outro país, para outro emprego, para outra roupa, outro esporte, qualquer mudança, apenas para variar. Dá a impressão de que ficar muito tempo fazendo a mesma coisa conduz à estagnação, ao marasmo, à ausência de evolução.
É difícil manter a consciência de que devemos mudar por dentro, não por fora. Mudar de país só torna a dificuldade da adaptação a um novo lugar mais importante que se concentrar nos nossos aspectos internos. Podemos deixar aquela pergunta altamente incômoda, "eu sou quem sou?", para depois, pois temos que nos preocupar em achar casa, achar emprego, ver como se faz para ir de um a outro, onde comprar roupa, como pedir licença, dizer obrigado, enfim, o comezinho. Mas é só adiar o confronto consigo próprio.
Mudar de emprego não muda nada. Se o que deixa insatisfeito é o trabalho em si, pouco importa onde ele seja executado. Mudar de emprego só vale se for para fazer algo completamente diferente e que traga satisfação. Mudar de lugar de trabalho e continuar fazendo a mesma coisa gerará uma satisfação inicial mas logo a desilusão tomará conta. Vale o mesmo para todo o resto.
Encarar-se no espelho, sem máscaras nem rodeios, e dizer quem somos, essa é a grande mudança. O resto é protelatório e perfume.

29.7.13

A realidade dói

Em algum momento de nossas vidas percebemos que temos mais responsabilidades e deveres que direitos. Não sei exatamente quando isso acontece, mas fatalmente acontece. Talvez isso esteja acontecendo tarde demais para todos nós. Sem querer repetir o que a Eliane Brum já escreveu de maneira definitiva ("Meu filho, você não merece nada", em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html), quando a experiência acontece com você ela dói mais.

Dói quando você percebe que você lutava por muitos direitos, mas parecia pouco inclinado a aceitar seus deveres. E, aos 20 e passa anos, ainda achava que merecia muita coisas, mas tinha feito muito pouco para realmente conquistá-las. Dói ver a retrospectiva da vida e perceber que você era um bosta como todos aqueles filhinhos de papai que você criticava, quando na verdade era apenas mais um, somente sem as roupas de grife.

Dói quando você vê seus filhos, que você tinha certeza que estava educando direito, começar a reclamar de não ter tardes durante a semana livres. E não adianta falar sobre a quantidade de jovens que não têm escola, que estão ralando durante o dia para fazer um curso noturno em escola pública de péssima qualidade e que não terão futuro. Não adianta falar que sem esforço não se consegue nada. Não adianta comparar, mostrar e provar. A certeza do adolescente é inabalável e não há argumento que o faça demover da ideia.

Dói perceber que somos mal agradecidos pelo conforto que temos, pela comida que colocamos sobre a mesa, pelo tempo livre para o cérebro pensar em vez de sermos apenas autômatos que trabalham para pagar contas. Dói perceber que continuamos não merecendo muita coisa, e que isso está se perpetuando.

Como fazer para passar a dor? Acordar é já um começo, trabalhar com afinco também, mas fora isso, não sei exatamente o que fazer. Ficarei com a dor e a dúvida, por enquanto.

22.7.13

Aceitação

Não me gosto. Olho-me ao espelho e o que vejo não me agrada. Tenho pelo menos dez centímetros a menos do que deveria ter. Saí baixo demais, e não há exercício que faça-me subir às alturas.
E como sou baixo, sou meio gordinho. Olho para a pança logo acima da linha da cintura e também não gosto do que vejo. Uma barriga saliente e persistente. Seis meses de abdominais e exercícios só fizeram firmá-la, mas não desapareceram com ela. E lá ela permanece.
Os cabelos são ruins também. Fracos, finos e esparsos. Pelo menos, são igualmente esparsos pelo couro cabeludo. Meu barbeiro diz que eu tenho poucos cabelos regularmente espalhados, o que dá a impressão de que a calvície ainda demora. Mas são poucos, e são finos. Já sonhei várias vezes com uma cabeleira, mas ela nunca foi nem será possível.
E olho-me ao espelho forçando um pouco a vista, pois ela já anda se cansando de tanto ver. De noite os óculos são obrigatórios. De dia, eventualmente, também. Mas de longe já está tudo embançando, de volta. Até os 23 anos de idade, eram 6,75 graus de miopia. Uma cirurgia os levou para o nunca, mas a idade estão fazendo eles voltarem devagar e sempre. Ruim, ruim.
Também não gosto dos meus joelhos, fracos demais para as corridas, caminhadas e escaladas que quero fazer. Meu condicionamento físico não ajuda, minhas pernas curtas não me fazem saltar mais alto ou mais longe, muito menos rápido (ou seja, o ideal olímpico do Citius, Altius, Fortius) não funcionará jamais.
Melhor não falar das partes íntimas, por decoro. Deixa pra lá, pode virar motivo de gozação exagerada, quase um bullying. Então, silêncio sobre as partes pudendas.
Mas é o que tem pra hoje e o que terá pra amanhã até o fim. Não há muito o que fazer para mudar o quadro. Pode ser que dê para perder a barriga, alongar as pernas para correr um pouco mais e melhor, fortalecer os músculos para ajudar o joelho, ler o Kama Sutra e tentar cada uma das posições para criar um repertório pelo menos divertido e atraente, enfim, coisas do gênero. Mas o grosso ficará como está. O jeito é fazer desse limão uma grande limonada.

18.7.13

Futilidade

Perdemos a maior parte do tempo pensando, fazendo e querendo futilidades. As redes sociais servem como vitrine para a nossa completa e total dedicação ao fútil. Nas redes sociais estamos sempre bem, mostrando sorrisos, chamando os outros de lindo, maravilhoso a qualquer nova foto, mostramos o que comemos, onde comemos, o que compramos, enfim, só futilidades.
Não há muito espaço para que é realmente importante. Deixamos de lado a necessidade de progredir, de lutar e trabalhar para melhorar, para ficar mostrando os arremedos de satisfação que temos em nossa vida contemporânea. Um ou outro consegue fugir da mesmice, ao falar das alegrias de se ter filhos, de trabalhos que deixam esse mundo melhor. Mas são poucos em um oceano de palavras vazias e gestos sem sentido.
Não que a rede social tenha mudado algo nas pessoas. Já eramos assim antes. A diferença é que antigamente isso se compartilhava apenas com os vizinhos e conhecidos. Os amigos ainda estavam lá para saber de você o seu melhor e o seu pior, e mesmo assim continuar lá, do seu lado. Às vezes até eles nos davam umas broncas morais de que não gostávamos. Mas como eles tinham razão, escutávamos. Hoje, na rede, ninguém critica ninguém. Sua crítica soara como bullying, como inveja, como qualquer outra coisa ruim, em vez de ser o que é.
Em quantos perfis você não tem vontade de dizer: meu, se liga e vai trabalhar!! Ou então: para de frescura e mexa-se!! No mínimo, em 80% dos perfis de gente que fica reclamando da vida em público. E em 99% dos que colocam foto de comida ou de lojas ou de produtos. Mas esse é o paradigma da atualidade: somos felizes se temos, se compramos, se consumimos. Somos felizes se mostramos tudo o que temos para muitos. Essa é a droga da modernidade, expor-se ao máximo em busca de pílulas de satisfação que nunca encherão a nossa pança espiritual.
Tristes tempos.

17.7.13

Olhar esmaecido

Houve uma época em que era mais fácil andar pelas ruas e detectar o que não estava exatamente de acordo com o figurino geral. Uma pessoa vestida com uma roupa meio esquisita, um orelhão que parecia cair, uma árvore com algum galho quebrado mas ainda ligado ao tronco, enfim, todos aqueles pequenos detalhes que, mesmo não sendo importantes, são parte de nossa vida.
Mas o olhar foi ficando cansado e pouco atento aos detalhes. As necessidades do dia-a-dia vão tornando a vista opaca e direcionada. É como se fossem colocadas em nós aquelas viseiras de cavalos, para impedir que o que está ao redor os distraia, junto com um óculos meio riscado à frente. Não vemos o que está ao redor, temos que estar focados (essa maldita palavra do universo corporativo) em objetivos, resultados, obrigações, convenções, vitórias e afins.
O olhar não pode digredir, não pode viajar, não pode sair do chão acompanhando um sabiá que sobe até o galho mais baixo da araucária para encontrar outro sábia. Não temos tempo para isso, não conseguimos mais ver isso e achar isso legal. A vida torna o olhar utilitário. Veja se há saldo na conta bancária. Veja se o orçamento do conserto do carro já chegou. Veja se há café na dispensa. Veja algo que serve para alguma coisa, não se distraia!!
Com o olhar esmaecido, fica difícil ser poeta, ser escritor, ser artista, músico ou escultor. Todos já conhecem as dificuldades da vida de cor e salteado, mas esperam que o artista tenha esse olhar frouxo, no ótimo sentido, para que ele lhes traga um pouco mais de sentido. Afinal, a vida não pode ser esse nascer - crescer - envelhecer (ou adoecer) - morrer. Tem que ter algo mais!! Para isso temos artistas, para dizer que algo mais é esse.
A violência ao redor - violência física de crimes bárbaros e estúpidos, violência econômica de busca do lucro a qualquer preço, violência política de pessoas que cagam para seus semelhantes, violência filosófica de gente que não aceita o contraditório, violência emocional de gente que só quer, mas não quer dar - ajuda a ofuscar tudo. Há camadas e camadas de coisas ruins atrapalhando a visão do que é bom, do que é belo. Difícil. Resta tentar viver de acordo com a história de Rubem Alves:

"Um homem caminhava por uma floresta. Estava escuro porque a noite se aproximava. De repente ele ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele ficou com muito medo e começou a correr. Mas ele não viu o caminho por onde ia porque estava escuro e caiu num precipício. No desespero da queda ele se agarrou ao galho de uma árvore que se projetava sobre o abismo. Lá em cima, na beirada do abismo, o leão. Lá em baixo, no fundo do abismo, as pedras. E foi então que, olhando para a parede do abismo ele viu que ali crescia uma planta verde que tinha um fruto vermelho: era um morango. Ele então estendeu o seu braço, colheu o morango e o comeu. Estava delicioso."

Inshallah!!!

17.4.13

Muito ou pouco?



Tenho poucos amigos, bem poucos. Por amigos quero dizer aqueles amigos de verdade, que só de olhar, quando nos encontramos, já sabem se estamos bem ou mal, que escutam nas pausas mais do que falamos, que entendem sem precisarmos dizer. Desses amigos, tenho bem poucos. E tenho muitos conhecidos, mas muitos mesmo. Em todo lugar que vou, encontro sempre um desses. E como vou a muitos lugares, sempre vejo muitos conhecidos.
Meus poucos amigos me conhecem muito. Meus muitos amigos me conhecem pouco. Meus poucos amigos sabem praticamente tudo o que acontece comigo, mesmo quando ficamos muito tempo sem nos ver. A distância não impede a intimidade, a proximidade. Meus poucos amigos, de um certo modo, vivem dentro de mim. Eles são parte de minha identidade, sem que eu dependa deles para ter uma. São, apenas, parte de minha vida.
Meus muitos conhecidos sabem muito pouco de mim. Quando nos encontramos, trocamos muitos abraços, muitos copos, mas poucas intimidades. Falamos de muitas coisas genéricas, e bem pouco de coisas específicas. Minha vida não está disponível para os conhecidos, pois afinal também os conheço pouco. Posso até saber muitos lances de sua vida, agora que quase todo mundo expõe esses detalhes na internet, mas sei pouco sobre quem são de verdade. E de mim não saberão, pois não coloco isso para ninguém, a não ser para meus poucos amigos.
Meus poucos amigos ocupam muito tempo de meus pensamentos, e infelizmente pouco tempo de verdade. A vida anda complicada, e todos temos pouco tempo para curtir os poucos amigos. Talvez por isso veja tanto os muitos conhecidos, pois esbarro com eles nas andanças cotidianas. Quero ter mais tempo para meus poucos amigos, mas tempo anda escasso. E como respeito os silêncios deles, bem como eles respeitam o meu, acabamos nos falando pouco. O que não diminui nem um pouco a intimidade que temos. Sei que, quando nos encontrarmos, mesmo que por poucos instantes, será como se tivéssemos nos encontrado ontem. E, ao nos separarmos, continuaremos perto um dos outros.
Na prática, meus poucos amigos são muito, mas muito mais importantes que meus muitos conhecidos. Se esses trazem algum sorriso em encontros inusitados, aqueles trazem alegria à alma nos poucos encontros marcados. Prefiro assim. Minha vida é para poucos, e agradeço a eles por terem aceito um pedaço dela. Espero estar retribuindo a benção concedida.

6.3.13

Não dá

Não dá. Agora, nesse momento, não dá para parar. A mochila está no armário, chamando, implorando, quase se ajoelhando para ir para as costas, recheada com algumas roupas, uns dois livros para ir trocando ao longo do caminho, saco de dormir e barraca para um pouso inesperado caso não se encontre um albergue, e voltar a rodar o mundo. Mas não dá, agora não.
Não dá para achar que basta dar as costas para o mundo e ir andando na direção do nariz para ver os problemas resolvidos como que por mágica. Eles não se resolverão assim, com um estalar de dedos ou o balançar de uma varinha. Todo problema que existe sai em viagem junto com quem viaja. Os problemas são a primeira bagagem de qualquer mochila, antes mesmo de sair do armário ela já está cheia deles. Eles pesam, e só conseguimos nos livrar deles resolvendo-os. Se não, estão com você sempre.
Não dá para ficar sentado, tampouco, esperando tudo passar. Essa tática talvez funcione com o avestruz. Mas desconfio que não. Ele só enfia a cabeça no buraco para não ver o que está acontecendo, não para fugir. Desconfio que o avestruz tem alguma noção do tamanho da sua buzanfa e que, ao enfiar a cabeça na terra, é apenas para tentar esquecer a leoa que vai logo devorá-lo. O destino está traçado ali, mas ele prefere não ver. Resolveu o problema? Nem.
Não dá também para achar que a solução é simples. Precisa trabalhar, trabalhar muito, falar a verdade e arriscar. Tem que arriscar, do contrário piora. O Tiririca quase criou uma lei, estilo Lei de Murphy: "Pior que tá, não fica". Mas Murphy é mais implacável, ao dizer que se algo pode dar errado, dará. E a coisa piorou, seu Tiririca, piorou. Vamos trabalhar mais, então.
E fica o dilema existencial. Uma vez um espírito falou para mim que meu futuro tinha a ver com a pena, que eu faria boas coisas para meus próximos através da pena. Ainda escuto isso. Mas por que cada decisão que tomo me afasta da pena? Por que me deixo levar pelo cotidiano comezinho em vez de arriscar um pouco mais para fazer valer essa pena? Não sei. Se fosse possível existir um avestruz existencialista, que mergulha a cabeça dentro da alma, para ver o que está escondido debaixo da pele, eu o chamaria. Preciso descobrir o que está rolando e que eu ainda não percebo. Mas agora, nesse momento, também não dá para ser existencialista. O mundo prático clama por minha presença, e é necessário pagar as contas. Pragmatismo, então, e vamos nessa.

30.1.13

Vida besta

Acordar. Fazer café. Acordar os filhos. Comer. Levá-los à escola. Fazer ginástica. Trabalhar. Pegar os filhos na escola. Almoçar. Voltar ao trabalho. Voltar pra casa. Trabalhar em casa. Dormir.
No dia seguinte, tudo igual. No fim de semana, sem escola, mas com outras coisas, um pouco mais prazeirosas.
No fim do mês, receber e pagar as contas. O que sobrar, guardar para fazer algo ou pagar contas mais altas depois.
Envelhecer e esperar uma morte súbita, não dolorosa nem agoniante nem demorada, para fazer os outros sofrerem tudo de uma vez só, e não um pouco a cada dia durante anos.
Meio besta essa nossa vida, não?

22.1.13

Corretor de erros

Um dos poemas mais famosos do Borges, que na real não é dele, começa mais ou menos assim: " Se eu pudesse começar tudo de novo, viveria mais leve" e por aí vai, em uma arenga de como levar uma vida menos pesada. Faz sentido, mas creio que gostaríamos de voltar no tempo para apagar alguns erros, e não para viver mais leve.
Cada um carrega uma carga enorme de erros, alguns grandes, enormes, muitos pequenos, e se pudéssemos ter um corretor de erros do passado disponível, aí sim tudo seria melhor.
Um corretor que pudesse nos mandar ao passado para, naquele momento em que você está falando umas palavras mais ásperas para alguém querido, te fizesse ficar quieto. Um corretor que fizesse você falar o que pensava sobre um projeto da empresa, em vez de ter ficado calado e anuido como um bezerro de presépio. Algum mecanismo que fizesse você não beber aquela terceira cerveja e convidasse a guria que não tirava os olhos de você, em vez de tomar mais uma para dar coragem e perder o timing totalmente (além de perder o prumo, claro).
Há algumas lembranças que insistem em sobreviver. Em alguns momentos, aquela enorme cagada que você fez volta com uma força que te crispa o rosto, dá um pequeno nó na barriga, e você pensa: "putz, que cagada aquela!" Mas não dá para voltar, ela está feita e morrerá com você. Tem outras que, felizmente, servem como um alerta para os momentos atuais. Você sabe o que acontece após a terceira cerveja, logo, não chegue a ela. Você sabe quanto custa calar ou falar, dependendo da ocasião. Escolha sabiamente.
Claro que somos a soma de nossos erros e acertos e, se tivéssemos errado ou acertado diversamente, seríamos outra pessoa. Mas será que aqueles pequenos errinhos (a terceira cerveja, a palavra grosseira, a mudez na reunião) afetariam-nos tanto assim? Será que não estaríamos mais leves, como diz o poema brega do suposto Borges?

9.1.13

Efemeridades

Nada dura pra sempre, nada é eterno. As montanhas sucumbirão à força dos ventos e das chuvas e um dia serão planícies, planaltos, qualquer coisa menos montanhas. Pode demorar, mas cairão.
O Himalaia um dia será um monte de areia em um lugar meio frio. O Aconcágua já não tem mais neves eternas, e parece um lugar com muito pó e pedra e mais nada. O Pico Marumbi teve que ser interditado para acampamentos pois estava assoreando. Tudo sucumbirá.
O Grand Canyon parece eterno, mas antes ele não existia, e talvez um dia o rio que passa por ele possa cavar ainda mais a terra até um ponto em que as paredes não aguentaram e cairão uma sobre as outras, soterrando tudo. Quem sabe?
Dizem que os diamantes são eternos, mas quando a Terra acabar - e isso é certeza, um dia ela acaba, junto ou pouco antes que o nosso Sol, que também acabará - os diamantes também acabarão.
E tudo o que é construído pelo homem acaba, muito mais cedo do que queremos.
As pirâmides parecem eternas, mas só sobraram umas poucas, parece que construíram muitas mais e algumas já se foram. Essas que estão aí um dia irão também. Mas já são ruínas. Toda construção, por melhor conservada que esteja, já é uma ruína, algumas exercem seu potencial mais cedo, outras demoram, mas todas despencarão um dia.
Nossa sociedade constrói a maior parte de suas coisas para não durar. Já não se fazem mais carros para durar 20 anos. Relógios não devem durar mais que cinco. Computadores, um ano quando muito. Para celulares já devemos estar em uma vida útil de seis meses, e olhe lá! Roupas são descartáveis, eletrônicos, eletrodomésticos, tudo é feito para durar um ano, dois, e fim, quebra-se e troca-se.
Casamentos não duram mais, namoros menos ainda. Colocamos demais importância nessa saída à nossa solidão para tentar esquecer que no fundo, no fundo, somos sozinhos nesse mundo. Todo homem é uma ilha, e não venham com Drummond para dizer que se constroem pontes. Não se fazem, no máximo, estabelecem-se sinais de fumaça para tentar se falar com uma ilha vizinha, e funciona enquanto há lenha. Depois, fim. Não construímos relações para durar. Algumas duram até a morte, outras acabam bem antes. Mas todas acabam.
Talvez nossos espíritos sejam eternos. Talvez. É algo que pretendo descobrir depois de morrer. Mas já que tudo acaba, espero acabar bem tarde, ainda tenho muita coisa a fazer...