Pesquisa do Palavrório

26.12.06

Natalino

Ir trabalhar um dia após o Natal é um tanto quanto deprimente. Você vê na cara das pessoas que praticamente todos estão cumprindo tabela, que os cinco dias que faltam até o próximo ano serão duros de lascar, lentos e modorrentos, sem nada interessante.

Talvez as pessoas estejam desanimadas pois passaram uma noite de Natal fantástica, com a presença da família. Talvez a presença da família tenha tornado a noite terrível, afinal há famílias para todos os gostos. Pode ser que todos estejam pensando no quanto gastaram em presentes e que com toda a certeza foi muito menos do que receberam, ou seja, saldo negativo.

Quem sabe tenham se lembrado de quem não pode estar presente ao vivo e em cores na festa. Ou ainda, podem ter lembrando com um sorriso de pena daqueles que fazem aniversário no dia 24 ou 25 de dezembro (sim, pior que fazer aniversário no Dia das Crianças é fazer no Natal). Não se sabe.

É uma cara estranha, uma época meio estranha. Logo virá a euforia obrigatória do Ano Novo, em que todos temos a obrigação de ser felizes para toda a eternidade e tomar decisões duradouras sobre a nossa saúde e nossa atitude. E, claro, o dia que é realmente o mais deprê do ano, o 2 de Janeiro. Afinal, só ali você vê que virou o ano e que todas as esperanças de mudanças são apenas isto, mudanças.

18.12.06

Where is my mind?

Ecos da adolescência

Festa de fim de ano da pós-graduação. Todos profissionais "de mercado", como se diz no jargão corporativo, ou seja, gente pretensamente séria, de idade.

Aparece um Papai Noel. Todo mundo bate palmas, ri, reclama o presente. E o indivíduo aqui? Ajeita o pulmão e grita: "Papai Noel, velho batuta!!" Todo mundo ri.

A referência são os Garotos Podres: "Papai Noel, Velho batuta, rejeita os miseráveis. Eu quero matá-lo, aquele porco capitalista. Presenteia os ricos, cospe nos pobres..."

Nada mal. Melhor não matar de todo o adolescente dentro de nós. É uma garantia de sanidade mental.

14.12.06

Habemus reforma?

Caro Bento,

Tudo bem? Muito trabalho aí para convencer que um intelectual pode substituir um popular?
Imagino que sim. Pois olha, tive uma idéia que pode te colocar na história da humanidade, independente de você ser popular ou não.

É o seguinte. Todo ano a maior parte do mundo ocidental que segue o calendário que o teu antecessor, o Gregório, fez fica estressado em Dezembro. É uma festa depois da outra, a correria para comprar presentes de Natal, as firmas pressionando para fechar o balanço, concluir o planejamento do ano seguinte, renovar contratos etc. Meu, Dezembro tá curto demais!!

Minha sugestão é que você ordene uma reforma no calendário. Tira um dia de cada mês de Janeiro a Novembro e transfere para Dezembro. Duvido que os Júlios, Augustos e os antigos deuses fiquem muito descontentes. Dezembro teria então 42 dias, seis semanas cheias para fazer tudo o que se faz no fim do ano. De quebra, com o tempo, as pessoas poderiam se dedicar ao verdadeiro Natal, o que não acontece faz tempo. Já pensou, "Calendário Bento"? Soa bem até, calendário abençoado, calendário bendito, você escolhe, afinal, você é o representante do Homem por aqui.

Bento, é isso, pensa com carinho na proposta. No mínimo, se ela durar uns 500 anos que nem a do teu sucessor, teu nome passa para a história como um cara bacana, em vez de um teólogo considerado reacionário por muitos.

Abraços,
Adriano

8.12.06

Epifania amorosa

Esta manhã vi um casal de mendigos. Deve haver vários por aí, mas estes dois estão na casa dos 50 anos. Talvez 40, visto que a vida nas ruas deve maltratá-los bastante. Estavam sentados em um banco do calçadão, juntinhos, e davam risada. Vi ela colocar a cabeça no ombro dele, como qualquer casal do mundo faz.

E ali vi que em qualquer situação é sempre possível ver um lado bom. Que o amor (ou carinho ou afeto, sei lá, não creio que eles estejam juntos por interesse) ainda pode existir mesmo nas condições mais adversas.

E que um ombro é sempre um ótimo travesseiro.

22.11.06

Homo politicus

Sabe-se lá se este é o latim para homem político. Bom, isto não importa. O que importa é que esta eleição mostrou uma coisa, e somente uma coisa a todo este país: que estamos criando uma nação de imbecis que tem como maior objeto de desejo um emprego público, nem que este implique em uma fraude aqui e outra ali.

Eu não votei no Lula por duas razões principais. Uma porque eu acho que ele tem uma vontade desgraçada de virar um ditador, principalmente no que diz respeito à imprensa. Afinal, antes de ser presidente ele presidia o PT, e ali quem mandava no jornal e quem dizia o que saia no jornal era ele. A imprensa não brigou com o PT, é que o PT não conseguia controlar a imprensa. Só isso.

A segunda é muito mais forte que a primeira, apesar de eu ser jornalista. É que o Lula só fez aumentar o número de funcionários públicos comissionados, aqueles que são contratados ou porque militam no partido do presidente ou porque são primos do vizinho do cachorro do amigo do síndico do governador. E se há alguém que personifica a vagabundagem neste país (e em muitos outros), este alguém é o funcionário público.

E antes que algum deles me xingue, eu bem que gostaria que o funcionalismo público ganhasse bem. Mas que fossem contratadas pessoas honestas, que sabem de suas responsabilidades, que tenham os mesmos direitos que os outros trabalhadores e que principalmente respeitem o seu empregador, ou seja, o povo brasileiro. Este povo que entra comissionado, tenha dó, não merece um centavo dos meus impostos.

Mas tudo isso é pregar no vazio. Então, para deixar registrado na minha história pessoal (pois tenho quase certeza que ninguém lê o que escrevo), decidi entrar em um partido político. Assim que tiver tempo, vou ler os programas e tentar descobrir um partido que tenha um projeto de país, não um projeto de poder, como quase todos os que têm por aí. Se não descobrir, vou achar o partido que tem mais vontade de ter um projeto de país, e ajudar a construí-lo.

Reclamar é fácil, fazer é que são elas. E cansei de reclamar. Agora é agir e mandar este bando de ladrões para a prisão. E antes que alguém me acuse de anti-PT ou coisa que o valha, podemos começar a limpa lá trás, nos tempos do Figueiredo. Toda aquela galera ficou rica e ninguém disse nada ainda. Menos mal que acredito em justiça divina, pois a terrestre, com este judiciário que temos, não dá muita esperança...

20.11.06

Há que ter fé

Não há dificuldade que não possa ser superada. Pode ser uma questão de fé ou de posicionamento perante a vida. Pode ser necessidade. Pode ser ambos. Mas toda dificuldade pode ser superada.

Estes dias vi um jardineiro perneta. Não sei como ele perdeu a perna, apenas o vi trabalhando, empunhando uma roçadeira a motor. Uma perna natural, duas muletas e a roçadeira fazendo o seu trabalho no terreno baldio.

O jardineiro não tem uma perna. Eu passei de relance e rapidamente, sem tempo para observá-lo, nem um lugar apropriado para tanto. Provavelmente ele terminará de roçar aquele terreno e irá para um próximo serviço. Possivelmente ao final do dia ele irá para um bar tomar uma para agradecer o dia ou amaldiçoar o dia em que perdeu a perna. Talvez ele tenha uma família. Talvez não. Mas ele tem vontade de fazer algo. E roça terrenos.

Será que ele lamenta as oportunidades perdidas devido à perna perdida? Será que ele leva uma vida amarga ou considera o que aconteceu como algo que devia acontecer? Deve-se perder a vida pois se perdeu uma perna, ou um braço, ou a vista ou a audição?

Bom, ele pode ter perdido algo, mas não perdeu tudo, pois continua trabalhando. Pode ser por necessidade, por fé ou por posicionamento perante a vida. Ele ainda tem algo, e não se deixou abater por perder um pedaço de si. Um exemplo.

17.11.06

Em busca de significado

Há uma moda atualmente, a construção de espaços gourmet em casa. Na prática, uma cozinha chique que também é bonita de se ver e se torna um espaço de estar. Ontem ajudei uma pós-graduanda de arquitetura dando uma entrevista. O que me deu autoridade para falar sobre o tema? Eu gosto de cozinhar.

E lá pelas tantas veio a teoria. Os espaços gourmet estão na moda pois o trabalho da maior parte das pessoas é vazio de significado. A pessoa não cria mais no trabalho, ela apenas executa um monte de tarefas previamente criadas, preenche formulários, manda mails, pode até decidir, mas não cria algo novo, não há um produto material finalizado.

Já na cozinha a pessoa é realmente responsável pelo produto final. A pessoa vai ao mercado comprar os ingredientes (ou abre as prateleiras para pegar o que precisa), prepara-os, cozinha-os, arruma-os nas bandejas e pratos de serviço e os leva a mesa com um sorriso nos lábios. Este trabalho lhe dá satisfação, é o prazer de criar alguma coisa e mostrar aos outros, "olha, este eu tenho certeza que fui eu quem fez".

Não sei se um trabalho mais significativo para as pessoas reduziria a moda dos espaços gourmet. Pode ser que não, pois a pessoa gostaria de fazer cada vez mais, ela teria cada vez mais obras a mostrar. Mas por enquanto vou com a teoria de que o espaço gourmet devolve ao homem a sua condição de homo faber, que lhe foi tolhida na sociedade atual.

1.9.06

Chove chuva...

Chove sem parar em Curitiba há dois dias. Não seria uma manchete significativa, já que esta cidade presenciou muitos dias de chuva forte no passado. Mas este ano, com a seca, dois dias de chuva viram notícia e manchete.

O tempo mudou, agora faz frio e calor um dia depois do outro. Já não se vê mais geada pelos gramados da cidade no inverno, pois não faz frio o suficiente para gear. No verão usamos casacos, pois o tempo mudou tanto que pode haver uma frente fria daquelas no Natal, a ponto de começarmos a acreditar que um dia nevará por estas bandas na hora de receber o bom velhinho. Aliás, neve em Julho nunca mais, só aquela de 1975 (a que divide as espécies de curitibanos). Ou então na próxima era glacial.

O tempo mudou, e fomos nós que provocamos a mudança. Poluição, hidrelétricas enormes com lagos gigantescos que alteram o ciclo de chuvas e ventos de vastas regiões, concreto para tudo quanto é lado, desmatamento, agricultura intensiva e extensiva ao mesmo tempo, pasto, enfim, uma renca de coisas.

A grande questão hoje em dia não é ser anti-capitalista por ser socialista. Deveríamos ser anti-capitalistas para ser humanistas. Afinal, se continuarmos nessa balada de consumo, não sobrará planeta algum para quem vier depois de nós. Só por isso deveríamos tentar mudar o que aí está. O que viria em seu lugar não se sabe e não existe ainda, mas há que se tentar.

31.8.06

A cada novo começo

Existem "n" recomeços para a vida. É a ginástica sempre adiada para finalmente entrar em forma. É o regime que a cada segunda está de novo em voga. É a promessa de nunca mais beber tanto. Enfim, há sempre uma nova oportunidade para começar de novo.

Eu desisti de começar de novo, e agora quero é melhorar o que já foi começado antes. Pois a cada novo começo, já temos conosco o fracasso dos começos anteriores e assim não conseguimos escapar do ciclo vicioso em que nós mesmos nos metemos.

Chega de novos começos, quero é os velhos dando certo!

9.6.06

Dia estranho

Primeiro você acorda de manhã meio estranho. Tua mulher não está ao teu lado, apesar de ela estar ali quando você chegou à cama. Ou seja, você a acordou no meio da noite com teu ronco.
Só que você roncou quando você fez uma cirurgia para parar de roncar. Você sabe que ainda está se recuperando dela, que além disso você está resfriado, mas ainda assim não consegue não se sentir chateado pelo que aconteceu.
Depois você corre como um camelo para atender filho, mãe, mulher, trabalho e, se der tempo, você. Você no fim da lista, pois há prioridades, horários, prazos, entregas etc. Nada pode ser esquecido, a não ser você.
E quando você chega ao trabalho, tudo vai meio pelo avesso, meio atrapalhado, sem um rumo tranqüilo. É um prazo que antecipam, um projeto que mudam depois que já tinha sido aprovado, novas necessidades que há meia hora não existiam, e ainda assim continua-se a trabalhar como um condenado para tentar aprovar alguma coisa decente.
O nariz continua meio trancado, o trabalho tá quase no fim, a Copa do Mundo começou e eu não consegui ver nenhum gol ainda, tudo meio estranho. Tomara que à hora em que eu chegar a casa o desarranjo já tenha passado.

8.5.06

Conseguirão?

Os dirigentes chineses tentam bloquear o acesso livre à internet. O povo começa a se revoltar (veja aqui), ainda que apenas virtualmente. Será que os chineses, que copiaram tudo o que podia ser copiado no mundo e agora começa a criar também, não acharão jeitos e maneiras de escapar ao controle do Grande Irmão de olhos puxados e romper todas as barreiras para o acesso livre? E são 1,2 bilhão de pessoas, por enquanto. Por quanto tempo esta gente permanecerá proibida de dizer o que pensa?

Vivemos momentos de virada histórica em diversos setores da humanidade. A hora em que a China não tiver mais censura, veremos o que será. Acho que vai ser no mínimo divertido.

15.3.06

Mijada

Neste mundo em que todos cobram algo de alguém, levar uma mijada de uma guardadora de carros é dose. No entanto, foi o que aconteceu quinta passada.
Fui ao bar/distribuidora comprar umas birras artesanais para dar de presente a um colega. Em frente ao bar há um laboratório médico com um estacionamento que à noite pode ser usado pelos bebedores.
Entrei no estacionamento e notei uma figura mais parecida com um espantalho à entrada do restaurante: uma camiseta quatro números maior que ela, cabelos brancos à moda vassoura piaçava, cobertos por um boné azul, uma calça de moletom e chinelo de dedo. Vale dizer que um mês antes não havia ninguém "guardando" carros ali. Bom, encostei o carro, e a senhora veio com a frase tradicional "Dá uma olhadinha ali, chefe?", frase que omite o "vou" da frente, deixando o sujeito em dúvida sobre quem vai dar uma olhadinha.
Entrei no bar, levei uns cinco minutos ali, e retornei ao carro com duas caixinhas de cerveja nas mãos. Deixei as cervejas no carro e ia entrando no carro quando falei à senhora que não tinha nenhum centavo no bolso, o que era verdade. Ela então me perguntou, olhando bem séria: "E por quê?" Respondi que não tinha pois o bar aceitava cartões de crédito, e plástico podem roubar que não tem tanto problema, só encheção de saco para evitar prejuízo.
Foi o que bastou. "Ô piazão, você não sabe que tem alguém aqui pra guardar teu carro? E que esse alguém tá esperando uma moeda? Pois você acha que eu tô aqui pra fazer papel de palhaço? Pois você saiba que sempre, mas sempre, deve sair de casa com uma moedinha no carro, pois sempre vai ter alguém cuidando do carro, e este alguém merece." Bom, a arenga foi por aí. E eu querendo voltar para casa pra tomar uma birra gelada com a patroa e ela me prendendo.
Sei que no fim gritei que na próxima traria em dobro a gorjeta dela, e ela parou. Aproveitei a pausa e fui. E aí começou a segunda parte. Quando fiz a manobra e me preparei para sair, ela disse "bene, bene", em italiano. Aí comecei a falar em italiano, e não é que a senhorinha espantalho falava italiano? Foi um va bene para cá, um arrivederci para lá, stami bene e outros.
Onde mais podem acontecer lances como esse? Qual outro país tem esta capacidade para a graça na desgraça? Bendito país, pena que o povo ainda faz por merecê-lo...

7.3.06

Dialética

Ontem dediquei-me a ler a entrevista que o Lula deu à The Economist. Meu, quando você consegue ler um pouco além da entrelinha, você percebe que está sendo enganado pelo entrevistado desde a primeira resposta.
Por exemplo, Lula, ao ser perguntado sobre a crise na Previdência Social, retrucou que todos os países do mundo, mesmo os ricos, têm problemas com a Previdência Social. Tá, e daí? O cara perguntou sobre o Brasil, e não sobre o resto do mundo.
Outro exemplo. O repórter tava fazendo uma pergunta sobre o dinheiro investido em educação, e o Lula fala de uma Olimpíada de Matemática que junto 10,5 milhões de alunos, em que se encontraram 30 mil gênios no segmento. E a ênfase foi no ganhador, um aluno cego, mudo e paraplégico que começou a estudar aos 10 anos. Fantástico, o governo já sabe achar os gênios. E o que fazer para que esses gênios produzam e explorem todo o seu potencial? Isso, que é o mais importante, o Lula não disse nada.
Estes são exemplos concretos. A sutileza está no responder as perguntas com outras perguntas, em responder desviando o assunto de maneira sutil de modo que a pergunta mesmo fique sem resposta, mas que a platéia acredite que foi respondida.
Me lembro sempre de um livreto do Schopenhauer, 38 estratagemas para se obter a razão, que achei uma vez em edição econômica, achei que era inteligente o suficiente para entender um filósofo alemão, e comprei. Ali ele dá os tantos estratagemas para que você sempre vença uma discussão, pois ele diz que, se houvesse uma única verdade, não haveria discussões. Na prática, você convence o outro de que a sua verdade é melhor que a dele.
Só fico triste porque este presidente será reeleito pela incompetência dos adversários, e não pelos seus méritos (que são poucos, bem poucos...).

22.2.06

Perturbador

O último filme do Woody Allen merece no mínimo este adjetivo: perturbador. Além de ser um pusta filme, ele te deixa incomodado, ele te faz pensar, ele mexe com as tuas crenças e com a tua visão do mundo.

Não é um filme comum do Woody Allen. É um drama. E um pusta drama, em nenhum momento temos a certeza do que acontecerá, tão bem escrito é o filme e tantas reviravoltas ele dá (agora me lembrei que em um momento o personagem principal do filme toma uma atitude que não parecia pensada até então, algo totalmente imprevisto, e uma professora de Creative Writing minha me disse que tal reviravolta era um ponto fraco em um conto meu, pois nada indicava que aquilo aconteceria. Bom, se o Woody Allen fez, por que não eu?), retomando, tantas reviravoltas ele dá que é impossível adivinhar o seguimento dele.

E por que ele é perturbador? Porque ele mexe com a questão da moralidade, ou melhor, da amoralidade. Do que um homem (ou uma mulher) é capaz para manter o seu bem estar físico e material? Que gestos ou atitudes ele considera válidos? E ele dormirá bem após fazer isto?

Hoje em dia vemos que a moral, ou melhor, a consideração com o outro ser humano, anda em baixa. Vale tudo nesta grande selva capitalista, onde mais do que nunca o homem é o lobo do homem na busca de mais, mais, mais. Os resultados estão aí para que todos vejam: consumimos os recursos naturais com uma voracidade inaudita, e provocamos catástrofes climatológicas; a corrupção é vista com aparente naturalidade, e pequenos roubos e deslizes, desde que não matem ninguém, são até perdoados, afinal, todos fazem (como um beócio disse recentemente); crimes contra o ser humano são cada vez mais horripilantes e comuns, e não fazemos nada.

Posso até estar influenciado pelo livro que estou lendo, A História Universal da Angústia, de W. J. Solha, onde vemos que a crueldade humana parece não ter limites. Mas ver um ser plenamente amoral como o personagem de Woody Allen perturba e faz pensar se estamos fazendo algo para mudar este mundo.

14.2.06

Universos paralelos

Ponha um livro de física quântica junto com o Senhor dos Anéis e temos mostras de quão imaginativa pode ser a mente humana.

A física quântica tenta explicar que temos entre 10 e 11 dimensões no nosso universo atual, sendo que vemos ou sentimos apenas quatro, e aprendemos que existem “n” histórias possíveis para todos, mas escolhemos aquela que nos dá a chance de perguntar qual história é mais plausível. Assim, poderíamos ter duplos ou triplos de nós mesmos andando pelo universo, estatisticamente falando (não que tenha acontecido de verdade).

A relação com o Senhor dos Anéis, a trilogia do Tolkien, é meio difícil de explicar. Afinal, o cara inventou da cabeça dele um universo grande, enorme, complexo, longo, com muitos anos e com centenas de personagens importantes. Fiquei imaginando a cabeça dele fervilhando de idéias e saindo anões, elfos, hobbits e magos, criaturas sem fim que os filmes ajudaram a visualizar.

São universos paralelos, que podem muito bem existir, afinal, as leis do universo permitem que se exista diversos caminhos entre dois pontos. Por pontos entendemos aqui que uma partícula sai de um lugar no tempo-espaço e vai a outro por “n” caminhos possíveis (essa é a teoria de Feynman). Então, toda história fictícia existe de fato, nós só não a vemos nem a vivemos de fato.

E tantos universos – Star Trek, Star Wars, o mundo de Artemis Fowl e tantos outros de que não me lembro agora – sendo continuamente criados a partir de cabecinhas humanas deliciosamente malucas...

Belas histórias!!

9.2.06

Comunidade fechada

Ontem, no grupo de estudos a que freqüento, um senhor contou uma grande lição de moral que teve no seu primeiro emprego. Ele falou de um senhor que deixava as suas coisas sempre destrancadas no ambiente de trabalho, seguro de que não seria roubado. Seu ponto de vista era que aquela era uma comunidade fechada e que dentro dela não haveria como um roubo passar despercebido.
Claro que todos falaram que isso é impossível no mundo atual, pois somos seis bilhões de pessoas, com grandes desigualdades sociais, com ganância, inveja e cobiça. Tudo isso praticamente nos obriga a viver trancados ou trancafiados para garantirmos o nosso patrimônio.
Esquecemos que a Terra é uma comunidade fechada. Tá, são seis bilhões de habitantes, mas qual é a saída da Terra? (mesmo que você acredite em vida após a morte, o que está lá é fora da comunidade) Vivemos numa comunidade fechada de seis bilhões de pessoas, e seria muito bom poder deixar tudo livre por aí e destrancado pois saberíamos que seríamos respeitados e nossas posses não desapareceriam.
No entanto, ainda não estamos prontos para isso. Que ruim...

1.2.06

Precoce

Sábado de manhã, sete e meia. Terminal de ônibus meio vazio, poucas pessoas indo para o trabalho. Uma mãe com suas três filhas sobe ao ônibus. A mais velha deve ter cerca de 10 anos, a segunda tem entre quatro e cinco, a mais novinha não passará de dois anos. Sobem as quatro e se sentam, o ônibus não está cheio.

Começa a viagem. E é uma viagem, uma hora e quinze entre o ponto inicial e o final. As crianças vão calmas, levam na mão um pastel cada, a do meio sorri, a mais velha não, a pequena tem os olhos arregalados, parece não se mexer, o pastel meio comido à mão.

Pouco depois de 20 minutos, a mãe desce do ônibus. Vai trabalhar. A irmã mais velha, de repente, sobe ao posto de responsável pelas irmãzinhas. Tão cedo e já tanta responsabilidade. Ela sorri, dá tchau pra mãe, segura a irmãzinha menor que se senta entre as duas irmãs. E continuam a viagem.

Asfalto ruim, o ônibus sacoleja bastante. Subidas e descidas, as pequenas até que se divertem, acham bacana o ritmo de montanha russa do ônibus. A mais velha olha para fora do ônibus, um olhar perdido, distante, maduro, maduro demais para uma criança ainda. Ela parece ter um cansaço de uma pessoa de muita idade. Ela olha para fora, suspira, fecha os olhos, encosta a cabeça no vidro, tenta até descansar. Mas logo abre os olhos para ver as irmãs, é responsável por elas.

O ônibus chega ao ponto final, a irmã do meio tinha até pego no sono. A irmã menor se levanta e sente o estômago revirar, vomita um pouquinho, atinge a mão de uma outra passageira, que reclama em voz alta. A passageira tem a delicadeza de não ser tão grossa, apenas reclama para si. As crianças descem do ônibus, a mais velha está assustada com a reação da passageira. Seus olhos parecem dizer: “Moça, desculpe-me, não foi por querer que eu fiquei uma hora e quinze no ônibus, sozinha, sem minha mãe, tendo que cuidar de minhas irmãs, quando tudo o que eu queria era estar em casa com minha boneca”.

As crianças logo somem no meio da confusão do terminal. Começo de manhã, muita gente indo trabalhar. Para onde irão as crianças? Ficarão pulando de ônibus em ônibus até se reencontrar com a mãe? Irão para a casa de algum parente? Terão um porto seguro para ficar durante o dia? Ninguém lhes pergunta, ninguém chega perto, quem viu o vômito até se afasta.

Ainda crianças, mas já tão velhas, tão maduras, tão assustadas. E nós, quase todos, de braços cruzados. Tristes tempos...

26.1.06

Um pouco de conversa séria

Nos últimos tempo eu tenho evitado a conversa séria. Sei lá, vontade de dar uma pausa na atividade cerebral e ficar concentrado apenas nas besteiras que assolam o planeta. Mas hoje retomamos um pouco a seriedade.

Não apenas porque o Hamas ganhou na Palestina - afinal, esse é também um referendo "Você acha que os homens-bomba funcionam?" - mas por uma discussão (amigável) com uma colega de trabalho.

Começou com uma discussão amigável com uma colega de trabalho a respeito da eleição do Evo Morales na Bolívia. Ela, uma direitista de carteirinha, se perguntava onde o mundo ia parar. Eu falei que essa era uma reação. O comunismo não deu certo, o capitalismo está aí mas os povos não são mais felizes - pelo contrário, aumentam as incertezas todo o dia, ninguém dorme tranqüilo com medo de perder o emprego pois logo vem uma reengenharia - e as sociais democracias também não conseguem trazer prosperidade espiritual para seus povos.

Restou o quê? Tentar o socialismo (e não me encha o saco, comunismo não é socialismo, são coisas bem diferentes). E assim vence a mulher lá no Chile, vence o Lula, vence o Morales, pelo menos em países onde as diferenças sociais são gritantes. Em Portugal, por exemplo, o novo presidente é de direita.

A discussão esquentou quando eu disse que os sistemas de ensino e de saúde de Cuba são os melhores da América (incluamos aí Estados Unidos e Canadá). E fui rechaçado de maneira veemente. "Como você pode defender o Fidel?" Eu não defendi ele, defendi apenas a saúde e a educação cubanas. E uma prova que o sistema de ensino cubano é bom é que sempre tem gente querendo fugir de lá, ou seja, é ensinado que há um outro lado. Ou você lê notícias de coreanos do norte que tentam fugir? Nunca tem.

Então, pois até o momento são apenas idéias desconexas, sem eira nem beira, o que quero dizer com isso? Na prática nada, a não ser que ainda acredito na paz entre judeus e israelenses e que acho o socialismo melhor que o capitalismo. O problema somos nós humanos que não sabemos ainda deixar de ser egoístas. Quando conseguirmos fazer isso, aí poderemos ser socialistas. Até lá, dá-lhe trabalhar, muitas vezes sem nem saber porquê.

Obs.: Minha colega ficou decididamente chocada quando disse que Jesus, se vivo, seria excomungado pelo Papa. Leia com atenção suas palavras e veja se ele não foi o primeiro socialista...

24.1.06

Falta de assunto

Na boa, tava pensando em atualizar o blog e fui atrás de umas idéias para reciclar a cabeça, já que não conseguia ter nenhuma original. E daí cai nessa crônica do Tutty Vasques, no "No Mínimo":

A falta de assunto conjugada à quantidade absurda de cronistas em atividade no país tem provocado cenas hilárias no convívio dessa gente – ô, raça! São dezenas, centenas, milhares de páginas em branco à procura de histórias para o fechamento da próxima coluna de cada um. Um troço engraçado, uma novidade, um personagem, um absurdo, boas e más notícias, um passeio, uma mulher, um prato de comida, qualquer coisa pode virar crônica e, ainda assim, a oferta de assuntos é insuficiente para atender à demanda dos colunistas, coitados! Não raro quando se encontram, se um conta uma história, dia seguinte ela vira tema da coluna do outro. É por isso que o talentoso Joaquim Ferreira dos Santos quase não fala fora da redação do “Globo”. Quando fala, fala baixinho para ninguém ouvir. Ficou assim depois que, isso há muito tempo, jantou com Zuenir Ventura e contou que estava pensando em escrever uma crônica com o título “Cidade partida”. O livro foi lançado um ano depois.

Assim, chupei o comentário dele para instigar você a ir até lá e ler a crônica dele, que é bem interessante. Ele fala sobre o método mental de proteção contra claustrofobia em aparelhos de ressonância magnética. E apesar dessa situação, ele pensa em sexo! Uma ótima saída.

Hoje, nem pensando em sexo teria material para um bom texto...

17.1.06

Recomeço lento

Todo reinício de ano parece ser um pouco lento. Todas aquelas boas intenções do Ano Novo ficam meio que engavetadas em alguma gaveta do cérebro, esperando o momento certo de reaparecer (infelizmente, a maioria delas parece voltar apenas no fim do ano, quando se tornarão novamente intenções para o próximo).

Assim, você parece perceber que o mundo está meio que se acomodando ao Novo Ano. As coisas acontecem, mas com uma velocidade menor. Decisões são tomadas, mas poucas, muito poucas, realmente importantes. É como se disséssemos "não adianta fazer nada, até o Carnaval nada funciona mesmo". E assim, deixamos o Ano Novo de trabalho para março. Nada parece ser urgente nessa entresafra de feriados (e o termo é entresafra mesmo, esperamos sempre o próximo feriadão, e desta vez com mais ansiedade, pois não houve feriadão de Natal ou Ano Novo).

Eu tentei fugir da regra, e tomei uma decisão. Decidi não decidir nada até o Carnaval. Pronto, assim me livro do constrangimento de ter que adiar alguma decisão por não ter a menor vontade de pensar sobre ela. E tenho dito!!