Pesquisa do Palavrório

2.9.10

Medo inconsciente

Dos sete aos 17 anos estudei em um colégio de padres, um colégio jesuíta. Na época da formação política de todos os jovens, entre os 15 e os 17 anos, tive um professor de História que havia sido torturado pelos militares que governaram o país entre 1964 e 1985. Ele tinha uma raiva muito grande dos militares e da direita como um todo, e tinha toda a razão do mundo para ter essa raiva. Deu que eu fiquei com um medo pavoroso de ditaduras, mesmo aquelas que se proclamam benignas.
Depois de um bom tempo me achando socialista (mas que jovem não o é?), agora sou liberal. Quero cada vez menos Estado, pois ele é uma instituição que premia o incompetente. A teoria marxista é muito bonita ao dizer que quem produz mais compensa aquele que produz menos. Mas quando o que produz mais percebe que ganha o mesmo que aquele que produz menos, o que acontece? Ele passa a produzir menos, pois não é recompensado. Somos ainda um pouco cachorros, queremos recompensa.
Ser liberal não significa não reconhecer avanços e progressos de regimes socialistas. A alfabetização e a saúde em Cuba, por exemplo, deveriam ser copiadas em todo o mundo. O Estado social sueco, norueguês e dinarmarquês também. Até a distribuição de renda do Bolsa Família tem seus méritos, ainda que do jeito que é hoje esteja criando uma geração de dependentes das tetas estatais, tetas estas que são nutridas pelos impostos exagerados pagos por um pedaço da população. E não, não é a classe média atual, mas sim a classe pobre a que paga mais impostos proporcionalmente à sua renda. Pode fazer as contas, não sou eu quem diz isso.
Mas ser liberal significa ir contra toda e qualquer forma de uso do Estado como instrumento de pressão e coerção a favor de um governo. Estado e governo são diferentes, deveriam ser. Quando um partido começa a usar o poder que está em sua mão temporariamente para inibir a ação dos adversários, estamos caminhando para uma ditadura. A história está cheia de exemplos de governos que usaram o Estado a seu favor e desembocaram em espécies de ditaduras terríveis. Até nos Estados Unidos isso aconteceu, com Nixon.
Tenho um medo pavoroso de ditaduras, e quando vejo o governo atual usando como quer a máquina pública, parece que estão querendo implantar a ditadura do proletariado efetivamente. Quem discorda não pode falar nada, pois vira "inimigo do povo" e do bem-estar geral. Os partidários da Dilma dizem que comparar ela ao Dunga é mau gosto, que não é humor, que é grosseiro. Como se chamar alguém de Dunga fosse xingamento. Mas mostra o espírito das coisas, falar contra quem está no poder é quase crime.
Claro, a maior parte da humanidade prefere comer e ficar quieta a passar fome com a liberdade de dizer o que quer. Mas dá para ter comida e liberdade, os dois não são incompatíveis. E ser liberal é isso. Infelizmente, parece que o país quer continuar no cabresto a assumir o seu próprio desenvolvimento...

7.7.10

Algo ficou pelo caminho

Um dia tive sonhos, peguei uma mochila e saí para viajar. Disse que voltaria em seis meses, e fiquei dois anos e meio fora. Voltei e recomecei, mas um tempo depois, descontente com os rumos que a coisa estava tomando, saí de novo mais um ano e meio. Voltei e recomecei, dessa vez para não sair nunca mais. Tem algo que ficou pelo caminho nessas idas e vindas.

Pode ser que o que tenha ficado para trás seja a inocência, aquela coisa meio pueril de achar que o mundo trabalha a seu favor, quando é você quem tem que trabalhar antes para fazer o mundo girar pro lado que você quer. Há uma dificuldade em ver as coisas de um ponto de vista mais positivo, mais esperançoso, que faça o sorriso aparecer mais fácil.

Também deve ter ficado para trás o sonho, ou os sonhos, que envolviam aquela vontade de ser alguma coisa no futuro, se trabalhava para isso e que agora, já na metade da estrada, vemos que é necessário ser mais pragmático que sonhador. O sonho de agora é aquele de doce de leite na padaria, que se compra com o pragmatismo do trabalho bem remunerado, ainda que bem longe da utopia do jornalista de guerra, do repórter econômico de sucesso, do publicitário famoso.

Ficou para trás, com toda certeza, a energia de começar e recomeçar o trabalho, qualquer trabalho, por melhor que seja. Ser escoteiro de novo, ser iniciante em um trabalho de novo, voltar a estudar algo, falta energia para aprender novidades, fazer novidades, criar. Quase melhor voltar aos bons livros já lidos para reviver emoções que arriscar novas leituras e novos conhecimentos. E isso é muito ruim.

Algo ficou pelo caminho, e não me refiro aos anos que certamente não voltam mais. Tem alguma outra coisa que agora faz falta. No entanto, aprendi com as viagens que tudo o que eu queria deixar no Brasil quando viajei foi comigo na cabeça, e com certeza voltou, inclusive as coisas boas. Há que cutucar bem fundo lá na cabeça e reencontrar o que eu acho que ficou pelo caminho para poder voltar a acreditar. Enquanto isso, o jeito é aguardar...

2.7.10

Palpiteiro

Já que todo mundo dá palpite quando o Brasil perde, lá vou eu também.

Em primeiro lugar, a seleção era muito ruim. Nem de longe ela era a seleção dos melhores jogadores do Brasil em atividade atualmente. Kléberson? Grafite? Nem o Felipe Melo, que é muito melhor como açougueiro ou cortador de cana pelas foiçadas que dá poderia estar ali. Tudo ruim.
Em segundo lugar, a total e completa ausência de esquemas táticos. Depois do gol de empate com a Holanda ficou evidente que não havia esquema tático. O segundo gol só mostrou que o rei estava nu, ou melhor, que a seleção esperava algum lampejo de genialidade do Kaká (ainda machucado), do Robinho (que só reclamou e não jogou) ou do Luís Fabiano (também machucado). Ou seja, sorte, não competência, sendo que sorte faz tempo que não entra para jogar.
Em terceiro lugar, o destempero do Dunga contaminou a toda a seleção. Se eles achavam que ganhariam as coisas no grito, se deram mal. A Holanda bateu sim, mas o Brasil também. E nesse ponto ficamos no empate. Mas a Holanda parecia um time mais catimbento, mais com a cabeça no lugar e pronto para catimbar, coisas que os brasileiros sabiam fazer bem. Mas o Felipe Melo nem reclamou de sua expulsão, pois meteu as travas da chuteira na coxa do Robeen de maneira criminosa. Sabia que tinha feito uma cagada e ficou quieto.
Ainda bem que voltamos para casa. Se o Brasil fosse à frente, a Fifa teria que refazer o futebol todo, quem sabe até parar o jogo por uns cinco anos, e veríamos rugby. Seria mais honesto. Pois futebol mesmo a seleção do Dunga jogou durante 30 minutos no primeiro tempo. E isso é pouco, muito pouco para quem quer ser campeão.
Só resta ao Dunga cantar "Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou..." E já vai tarde.

9.6.10

A âncora do rancor

Se existe alguma coisa que atravanca o desenvolvimento pessoal, essa coisa é o rancor. Imperfeitos que somos, arrastamos nossos rancores durante muito tempo e só depois que conseguimos nos livrar deles é que temos condições de progredir. Enquanto o rancor está ali, ele funciona como uma âncora a nos segurar, a impedir o voo, a bloquear o avanço, a parar o progresso.
Cada rancor tem origem em um ato específico e pode atravancar uma determinada faceta de nossas vidas, mas consegue contaminar todo o resto. Um revés profissional afeta a tua carreira e, se não for trabalhado e solucionado internamente, impedirá você de ter alguma outra ocupação bem sucedida. Enquanto você não fizer as pazes com essa mágoa, você patinará. E enquanto você patina, você fica de mau humor. E de mau humor, você não consegue se dedicar à sua família como deveria, não consegue estar com os amigos como gostaria, nada vai.
Se o rancor é de uma relação pessoal, então, a coisa é ainda mais difícil. Até você conseguir se perdoar e perdoar a pessoa que te supostamente magoou (em uma relação, acredito ser muito difícil haver apenas um culpado no casal), nenhuma outra relação será 100% boa. Você carrega os medos adquiridos e as desconfianças criadas e as projeta no novo parceiro, na nova namorada, temendo a cada minuto que a história se repita. Só quando você consegue deixar o que passou lá no passado, que é onde sempre deveria estar, é que a nova relação pode ir à frente e florescer.
O rancor queima e pesa, e infelizmente nossa capacidade de perdoar e perdoar-se é muito limitada. Tentamos esquecer o que aconteceu, mas enquanto não estivermos em paz com nossas decisões e escolhas, pois foram elas que provocaram a situação que gerou o rancor, não conseguiremos andar à frente. Esquecer será um paliativo, pois o rancor fica lá, guardado em nosso íntimo. Só a reconciliação conosco é capaz de tirá-lo de nós de vez por todas. Mas que é difícil, é.

9.4.10

Pos Meridion

Pos Meridion, Pos Meridion, Pos Meridion. O Google me salvou. Não mais
esquecerei.

Veja a pusta foto aqui <http://www.radiocaos.com.br/website/?p=735>!! Putz,
isso sim é nostalgia!!

E lá se foi o Ivo Rodrigues, que os deuses do rock o tenham

Hoje faleceu o cantor Ivo Rodrigues, vocalista da mítica banda parananense Blindagem e da mais mítica ainda, quase secreta, A Chave. Da segunda, não posso falar nada pois nunca ouvi nada (na real, estou escutando nesse momento a música De Ponta Cabeça, graças a essa que é talvez a maior invenção da Internet, o Google). Mas do Blindagem, há, esse faz parte de mim.
Eu comecei a sair na noite curitiba aos 15 para 16 anos. A primeira vez que saí para a nite foi um programa com quase tudo que alguém procura: começou com um show (tá, não tão bom, do João Lopes, o Bicho do Paraná, mas foi curtição), seguido de um cesto de frango frito do Balaio de Frango no Largo da Ordem, encerrado por uma caminhada para casa com direito a assalto a mão armada (canivete) no caminho. Sorte minha que apontaram o canivete para o meu amigo Geléia, o Gustavo Guimarães, que estava junto. Mais sorte ainda que só apontaram e não fizeram nada. Talvez nessa primeira noite eu já devesse ter percebido que minha vida noturna seria uma roubada, e que minha eterna busca por mulheres e companhia nos bares não daria em nada. Mas esse é assunto para outra crônica.
Logo depois, o rock começou a surgir forte na minha vida, e o circuito noturno era feito em busca dos shows. E como a cidade não era lá grandes coisas em termos de música, para fugir das bandas cover pop, lá nos debandávamos Fabiano Kummer e eu para ver o Ivo e o Pato tocando muito rock no John Bull antigo, no Largo ainda. Sempre estávamos virando a cabeça atrás de mulheres, mas eu preferia mesmo era ficar escutando a música (sim, eu sei, tenho problemas, estou superando-os).
O ponto alto dessa relação com o Blindagem aconteceu no verão de 1989 ou de 1990. Teve um show na praia de Guaratuba, foi montado um palco bem no meio da Praia Central, e chamaram cinco bandas para tocar: o Blindagem abriu, depois veio o Ira, daí o Paralamas, daí o Titãs e fechou o Barão Vermelho. O show varou a noite, e o Barão tocou "Pro dia nascer feliz" com o sol nascendo. Foi duca!! Claro que não me lembro direito das bandas, e como é algo tão antigo, não existe no Google ainda. Paciência. Mas me lembro que foi um showzaço, daqueles para ficar na lembrança como um dos melhores. Novamente, nada de mulher, mas muito rock.
Na prática, talvez seja essa a ligação com o Blindagem. Eu realmente gosto do banda, e quando saía na nite eu queria escutar as músicas de verdade, não tava muito a fim de encontrar encrenca (confesso também não ter a habilidade para isso). Quando saí do Brasil a primeira vez, em 1992, uma das poucas coisas que levei e conservei foi uma fita K7 (raridades, velharias, chame como quiser) com as músicas do Blindagem. Era pura saudade, e ainda hoje me toca. Depois que voltei ao Brasil, me toquei que não tinha nenhum CD deles, e lá fui eu à internet comprar Blindagem, o LP de 1981. Até hoje está no set list. Hoje, provavelmente, com uma pontada de tristeza.
E sempre o Blindagem estará em minha lembrança como um conhecimento meio que secreto que nós, curitibanos, tínhamos. Sempre que eu viajava perguntava se as pessoas conheciam o Blindagem, a banda. As pessoas diziam não e perguntavam que tipo de rock eles faziam, e os que gostavam do Blindagem respondiam "rock paranaense", sabe-se lá o que isso significa. Daí a pessoa fazia uma cara de paisagem e a gente enchia o peito para dizer que era duca. Quer dizer, assim bem imparcial, que nem era tanto. Mas era nosso e estava nos nossos bares, então, era o máximo. Bons tempos foram!
Valeu, Ivo, obrigado pelas longas noites passadas com sua voz. Vai marcando os shows aí no outro lado que mais tarde eu chego.

P.S.: Uma das melhores coisas que eu tenho do Blindagem, infelizmente, eu não vi. Em 1981, eles fizeram uma montagem do The Rocky Horror Picture Show em Curitiba, adaptando as músicas para o português. O Fabiano ali de cima era vizinho de um cara que conhecia o operador da mesa de som e que tinha dado a esse operador uma fita para ele gravar o show. Dessa "master tape" saiu uma outra, e saiu uma outra, que eu tenho até hoje. Pura raridade, nem os caras do Blindagem tem. Pelo menos, já passei uma cópia em CD para o Samuel Lago, grande historiador do rock paranaense e que tocou numa banda que por pura memória fraca minha me foge o nome. Assim que eu lembrar, posto aqui.

1.4.10

Que momento...

O mundo está convulsionado. Do micro ao macro, tá tudo do avesso, tudo está sendo questionado. Na minha cidade, o prefeito super bem avaliado deixa a prefeitura para concorrer a governador. No entanto, sai deixando a cidade esburacada, os ônibus lotados e sem lugar para por o lixo. O governador, maluco, deixa o governo se achando o máximo, mas em sete anos não conseguiu fazer nada para a população, só para si próprio e os seus. A insegurança toma conta das ruas de todas as cidades, as estradas estaduais estão um lixo, a saúde idem, a educação idem, e ele se achando o Chávez do Sul. Não sei o que é pior, se o narcisismo ou a inspiração. E no nível nacional, a coisa é ainda pior. Há uma renca de gente defendendo esse governo que privatiza tudo para os seus, aparelhando tudo o que podem com os colegas sindicalizados, os pelegos de sempre, gente que não quer trabalhar mais, apenas mamar. Não é nem questão ideológica, é privatização para alguns. Eu queria um governo que socializasse mesmo, que tornasse o governo de todos, e não de alguns. Nem falemos do poder legislativo e judiciário para não dar engulhos.
Mas essa é a casca. O que convulsiona o mundo é a crise de valores. Ser bom e correto não está com nada atualmente. Quem procura seguir as regras é penalizado, tanto com a fiscalização excessiva que deixa de lado os infratores grandes por que recebem propinas, como do círculo social que se espanta com a sua decisão de ser correto. "Como assim, você que dirige com duas cervejas é tão ilegal quanto eu que ganho um salário da Assembléia Legislativa sem trabalhar, são duas ilegalidades. Além disso, todo mundo faz isso!" Já que todos fazem o errado, você também deveria fazer. Os BBB estão aí para provar que levar vantagem em tudo é o modus operandi da civilização. No Brasil, na Itália, nos Estados Unidos, enfim, onde você estiver, é isso que acontecerá. A humanidade está virando as costas para o certo para abraçar o errado.
Cena cotidiana: a pessoa estaciona o carro em uma vaga operada pela prefeitura. Ela tem que por um cartão no vidro para ter direito a ficar estacionada ali durante uma hora. Não há fiscal da prefeitura por perto, o motorista fecha o carro e pensa: "bom, na volta eu vejo o que acontece". Na volta, quase uma hora depois, a fiscal está multando o veículo por não ter o cartão exposto, e multando com razão. A fiscal diz "putz, acabei de preencher a multa", como quem diz "se o senhor chegasse um minuto antes, eu aliviava". O motorista diz "pode preencher, moça, eu estou errado mesmo de não ter o cartão". A fiscal não acredita que ouviu a frase, e sai agradecida de ter encontrado alguém com essa presença de espírito. Claro, se a fiscal não tivesse aparecido, sorte dele. Mas como ela viu, ele vai chorar as pitangas?
Em resumo, tá difícil querer seguir o caminho certo, com tantas distrações por aí. Mesmo quem tenta muito não consegue. O jeito é rezar para ver se essa onda passa...

23.3.10

Via crucis burocrático

Se existe algo que dá nos nervos de quem quer produzir nesse país, é a burocracia e a leniência com que o cidadão é tratado quando tem que recorrer a qualquer órgão público. Se você vai a um cartório, é para confirmar que você é você. Isso é ridículo, mas é assim que funciona no Brasil. E tem lógica um cartório de registro de imóveis demorar cinco dias para emitir um registro em Curitiba, e sair na hora em Campo Largo? Não, não é lógico, não consigo entender.
Nos tribunais, em alguns casos você é bem atendido, em outros não. Mas, na maior parte, é um vai e vem de números, guias, pagamentos, autorizações etc. Em Curitiba, precisa da assinatura de um desembargador ou quem quer que seja para expor um cartaz no elevador. E tem que estar carimbado, assinado, registrado, se quiser voar (ah, Raulzito!). Fora o elevador privativo das "otoridades". Ridículo.
E o serviço de atendimento ao cidadão em prefeituras, governo do estado, secretarias etc? Em alguns casos, novamente as exceções, a pessoa é bem atendida. Nos outros, parece que estão fazendo um favor a você, que paga seus impostos para alimentar essa caterva de barnabés. E quando cometem um erro, é apenas "ops, errei". Nada de dizer as consequências do que pode acontecer, alertar para os riscos, tomar cuidado com a informação cedida. Não, o risco é do contribuinte.
Quem defende o Estado Mínimo, como eu, não o faz por razões ideológicas, mas práticas: quanto menos funcionário público com estabilidade no emprego, melhor. Se puderem eliminar de vez os cargos comissionados (celeiro de mamatas) e acabar com a estabilidade, já é meio caminho andado. Se puserem ainda indicadores de produtividade, aí quase chegamos lá. Quem sabe?

15.3.10

Problema de criação

A maior parte das pessoas se sente bem não fazendo nada, acredito. Há uma imensa batelada de gente que recebe o bolsa família numa boa e fica agradecida por não ter que oferecer contrapartida alguma.  Há milhares de funcionários fantasmas por esse país afora, deixando de fazer aquilo para o que foram contratados. E não são apenas funcionários públicos, há muitos fantasmas também nas empresas privadas. No linguajar moderno, são os presenteístas, o contrários dos absenteístas, que estão presentes mas não fazem nada. Funcionário público fantasma já é conhecido por muitos, infelizmente vicejam em todas as repartições públicas do Brasil.
Mas há quem não consiga ficar parado esperando as coisas acontecerem, por mais que lhe digam: "calma, fique observando apenas, por enquanto tá bom, não precisa fazer nada mesmo." E receber por isso?! Parece uma afronta ao dinheiro de quem está pagando, ainda que ele tenha dito expressamente que não é necessário fazer nada no início.
O problema é de criação. Quem foi criado na filosofia do trabalho não acha certo relaxar. O corpo deve estar fazendo algo, sempre. Tem que ter suor. Trabalho sem suor não é trabalho digno, e por isso busca-se de alguma maneira estar ativo fazendo alguma coisa suarenta, física. Tem que trabalhar, tem que produzir, tem que fazer algo. Realizar, executar, fazer. Planejar não, pois isso é cerebral, e trabalho cerebral não tem valor.
Pusta meleca ter esse tipo de educação de vez em quando...

12.3.10

Tristes países

Tenho dois países, o Brasil e a Itália. Moro no Brasil, morei na Itália. Em ambos, dois governos de perfil autoritário, que não gostam da contestação a suas idéias, populistas, que preferem dar esmola e subsídios a quem não produz que estimular o trabalho e a educação. Alguns poderão achar estranho, mas o Lula e o Berlusconi são muito, mas muito parecidos. Não se fala aqui de esquerda ou direita, mas de características pessoais.
Com todos os esforços que o governo Lula fez para tentar controlar a mídia nacional - vamos deixar de lado os milhões gastos com publicidade que sustentam milhares de veículos picaretas por aí - vê-se que seu sonho é ser que nem Berlusconi, que tem três redes de TV privadas e controla as outras três estatais por ser o primeiro-ministro. Mas Lula não é, e tem que aguentar um que outro jornal mais crítico.
Lula tem imunidade pelo cargo que ocupa. Até hoje não respondeu ao juiz que conduz o processo do mensalão - por escrito. Berlusconi tentou criar uma lei que lhe desse imunidade. A Corte Suprema negou. Agora passou um outro projeto que autoriza ele e alguns outros ministros a adiar em até 18 meses sua ida ao tribunal caso citado em processo. Por enquanto está valendo. E o que ele quer é passar uma outra lei que determina um prazo máximo de dois anos para julgar o que for. Isso sem dar nenhuma estrutura ao Judiciário. Fácil.
Na Itália haverá eleições regionais no próximo mês. Na região do Lazio, o partido de Berlusconi não entregou a lista de candidatos à Justiça Eleitoral dentro do prazo. O responsável disse que parou no caminho para comer um sanduíche. O partido do Berlusconi contestou, mas os juízes disseram que simplesmente a lei não havia sido cumprida. Berlusconi pediu aos seus manifestantes para invadirem as praças e protestarem contra a lei. Lula faz campanha para Dilma há quase um ano. Seus arroubos verbais são flagrantes atos de campanha antecipada, à revelia da lei. Sua resposta a essas acusações é que a lei não é bem clara, e que ele não faz campanha. Para ambos, a lei só é boa quando é para os outros, não para si.
E, nos dois países, quem trabalha sofre. Quem é honesto sofre. Cria-se, no Brasil e na Itália, a mentalidade de que legalmente não se pode progredir. Berlusconi é idolatrado por uma parcela dos italianos que acham que sucesso pessoal conseguido com quaisquer meios é mais importante que sucesso com lisura. Lula não diz, mas apóia todos os seus chegados que cometeram alguma irregularidade: os 40 do mensalão, os aloprados da campanha de 2006, o presidente da Bancoop, o seu churrasqueiro, o ministro que violou o sigilo do caseiro, enfim, todo mundo é por ele perdoado. Coloca-se o torto e o incorreto como justificáveis, "o ser humano é assim mesmo..."
Quem trabalha honestamente, paga seus impostos, tenta não cometer muitas irregularidades no trânsito, procura ser sincero nas relações pessoas, tenta não explorar o outro, em meus países, essas pessoas são chamadas de trouxas. Talvez sejamos mesmo, trouxas. Mas acreditar que é possível crescer sendo justo e honesto talvez seja a única maneira de dormir com a certeza de que se constrói um mundo melhor para nossos filhos, ainda que demore pra caramba...

11.3.10

Os euscritores

Há escritores aos borbotões por aí, inclusive este que vos tecla. Sempre os houve, e sempre os haverá. Mas existe um fenômeno atual em que aparecem cada vez mais os "euscritores", isto é, os escritores que não conseguem falar de outra coisa a não ser do próprio umbigo e da relação de todo o resto do universo com ele.
É fácil reconhecer um euscritor. Em primeiro lugar, ele fala apenas de si próprio. Todos os seus textos têm obrigatoriamente algum pronome na primeira pessoa: eu, meu, minha, me, para mim. Eventualmente, há um nós, ou nosso, se o euscritor estiver comentando algo acontecido com ele e outra pessoa ou animal. Mas, mesmo nesses casos, o pronome coletivo serve apenas para situar o euscritor em primeiro lugar e a outra pessoa em qualquer outro lugar que não o principal.
Em segundo lugar, há um deslocamento no foco do texto para as opiniões sempre subjetivas do euscritor. Se ele estiver falando do terremoto do Chile, começará por ele mas falará do seu drama uma vez na Turquia quando a terra tremeu um pouco, e lasque-se o Chile. Se estiver falando de livros, falará do que aconteceu com ele no dia em que leu o livro. Se estiver falando de tecnologia, o ponto de partida é um dia em que acabou a luz na casa dele, o de como ele se sentiu desconectado do mundo e relaxado e de como ele manteve o computador desligado quando a luz voltou e se manteve bem. Ou ainda, pegará sempre uma idéia sua e a comparará com a de alguma pessoa famosa para dizer que a pessoa famosa pensa como ele, e não o contrário.
Por fim, os euscritores não conseguem se imaginar na pele de outra pessoa para escrever. Não há empatia com as pessoas que não são ele, não há relação. O mundo gira ao redor de seu umbigo, e apenas as suas opiniões são as válidas. Usando o vocabulário do cinema, todos os outros são coadjuvantes no filme em que a única estrela é ele.
Veja, não há problema algum em um escritor brincar de euscritor de vez em quando. No entanto, os grandes escritores, quando fazem isso, tomam cuidado de extrapolar o seu cotidiano para, a partir dele, elaborar ideias sobre o universo ou coisa que o valha. A sua experiência é base para um pensamento maior em que o leitor pode se identificar e reagir de alguma maneira.
O euscritor, pelo contrário, não provoca nem extrapola, apenas despeja o seu narcisismo no texto para tentar mostrar-se importante. E, ao fazer isso, aderem involuntariamente à grande mania mundial dos big brothers e coisas do gênero. Eles escancaram suas vidas nas páginas para uma patuléia sedente da vida dos outros, que não quer viver a própria por seja lá qual razão. Os euscritores são a versão high intelectual da baixaria dos reality shows. E, muito provavelmente, críticos dessa superexposição. Me errem, fubangos!!

10.3.10

Para onde estão indo as bundas?

Ando pelas ruas procurando-as e cada vez as vejo menos. Falo de bundas, bundas femininas, belas bundas femininas, daquelas que querem fugir dos jeans que as levantam e aprisionam. A cada dia, parece que há menos bundas na praça!
Sei que moro em Curitiba, uma cidade mais branca que negra ou índia, e que as bundas que andam por aqui são menos formosas que as cariocas e as nordestinas. Mas houve uma época em que havia mais bundas pela cidade. Mesmo meninas branquelas tinham belas calipígias adornando-as, eventualmente. Hoje, parece que as bundas sumiram, foram fatiadas por algum maluco americano que só gosta de peitos (uma homenagem à nossa colega de faculdade, Márcia Fa!).
As meninas enfiam-se em jeans superapertados que, quando vistos de lado, ainda mostram alguma protuberância na traseira, mas quando vistos de costas, mostram que elas não têm mais quadris. Junto com as bundas, perde-se aquela curva que o fim do tronco fazia com as ancas (ainda sou do tempo de ancas), mostrando, ou melhor, não mostrando mais uma bunda. Estão magrelas, estão raquíticas, estão desaparecendo.
Os peitos, em compensação, abundam (desculpem-me pelo trocadalho do carilho). Se você as vê de frente, vê o avanço dos decotes na direção do umbigo, com toda a tecnologia dos soutiens a levantá-los e provocar fendas que nos convidam a mergulhar e perder-se. E fica assim a situação: a mulher vem andando. Primeiro você vê os peitos, depois a cara (não que importe muito para uma secada apenas) e, à medida que ela passa, vai se virando para visualizar o perfil e então decepcionar-se com o desaparecimento da bunda.
Onde estão, para onde vocês foram, ó belas bundas, belas calipígias? Onde vocês estão para que possamos apreciá-las para mandar essa tara americana de bebê não crescido que continua pensando nos peitos da mãe e voltar a sermos o que sempre fomos, amantes das bundas? Procurarei sem cessar, até encontrar, pois para algum lugar elas devem ter ido. Assim espero.

4.3.10

A dificuldade de se lidar com o ócio

É difícil lidar com o ócio. Fico angustiado, tenso, vou pulando de uma página a outra na internet, em busca de algo com que distrair o cérebro para não pensar. Não quero pensar, não estou com vontade de encarar meus demônios íntimos nos meus momentos de ócio, pois, se não tenho nada para fazer, vou pensar, e inevitavelmente vou filosofar.
Não quero filosofar, quero apenas executar coisas, raciocinar apenas o que devo para executar bem minhas funções. Não quero tomar grandes decisões a respeito da minha vida (até deveria, chega de ficar enrolando), quero deixar para lá o que realmente preocupa e aflige para ver meu cérebro flanar pelas efemeridades da vida: o trabalho, o futebol, as fofocas, as novas descobertas da medicina etc. Pode ser um assunto até mesmo espinhoso, mas será sempre uma distração para não pensarmos no que devemos, naquilo que mais nos aflige, que é nosso destino.
Se estou ocioso, quero logo fazer algo. O ócio criativo talvez seja só uma boa idéia para se ler livros, não para realmente ocupar a vida. Isso porque no ócio temos que pensar com as próprias pernas, sem o apoio de um texto bacana, ou de um filme legal, ou do que seja. Temos que pensar, e essa obrigação é complicada.
Pensar é perigoso.

4.1.10

Mais um ano ou menos um ano?

Ontem o João Ubaldo Ribeiro escreveu algo interessante. Ele falava que o Ano Novo pode ser encarado como mais um ano ou menos um ano. Claro, a visão pessimista é a que diz menos um ano: menos um ano de vida, menos tempo para fazer tudo o que se quer até o fim inevitável, menos energia para tanta coisa represada. A visão otimista diz que tudo é possível ainda, que os anos vividos são experiências que aprendemos para perder menos tempo à frente e que, se quisermos, poderemos fazer tudo o que se quer.
Eu duvido. Apenas a quantidade de livros que merecem ser lidos, se não houvesse mais nenhum lançamento que preste daqui até o fim do século XXI, já seria o suficiente para preencher umas duas ou três vidas em que a única atividade fosse a leitura. E a quantidade de músicas para se escutar, bebidas e comidas para apreciar, enfim, a quantidade de coisas que deixaremos de fazer será infinitamente maior do que a quantidade de coisas que poderemos ter feito.
Provavelmente o que querem nos dizer com isso é que não se deve medir a vida pela quantidade, mas pela intensidade do que se faz. Que cada gesto nosso deve ser intenso, pleno de significado e que nos traga uma compreensão maior do mundo, mesmo que às vezes sejam gestos ou situações doloridas. E que menos é mais, e por aí vamos.
Como mensagem, ela é muito simples. Mas é de difícil execução, pois a todo momento somos bombardeados com as 1001 comidas para experimentar antes de morrer, os 1001 vinhos, os 1001 discos etc, etc, etc. Lazarento o criador desse mote, que agora vai avançando para todos os campos da humanidade. Logo haverá as 1001 posições sexuais que você deve experimentar antes de morrer e uma versão evangélica com as 1001 preces que você deve fazer para morrer em paz, um sinal de que não faltará mais nada para catalogar e nos afligir com o tempo ainda mais curto que temos, a cada dia. Até o momento final. Omnes feriunt, ultima necat.