Pesquisa do Palavrório

14.12.09

Flores de ódio

Esse fim de semana um maluco (literalmente) acertou a cara do Silvio Berlusconi, o presidente do Conselho de Ministros (é o primeiro-ministro, na prática), com uma cópia da Catedral de Milão. Ainda que o Berlusconi pudesse até merecer umas palmadas, não é assim que se deve agir. Aqui no Brasil, o Lula falou merda, literalmente, e ninguém pensou em pular pra cima do palanque e dar umas porradas nele.
Em alguns lugares do mundo, parece que estão cultivando ódio. Na Suíça, proíbem minaretes. Na França, pensa-se em fazer o mesmo, já proibíram os chadores para as mulheres muçulmanas. Nos Estados Unidos, sempre houve um bando de gente (e é em grande número) que não aceitaram a igualdade com os negros e agora enviam diariamente mensagens dizendo que vão matar o Obama. Nem vamos falar de Israel, há muito um poço sem fim de ódio.
Tem algo errado. Até um certo ponto, é necessário torcer para que em 2012 haja mesmo uma hecatombe para acabar com a maior parte da humanidade. Talvez os que sobrarem serão um pouco melhores e conseguirão dialogar. Se não conseguirem, talvez seja melhor acabar tudo e recomeçar de outra forma, pois do jeito que é dá medo deixar um mundo desses para nossos filhos.

11.12.09

Fora de si

Ontem tive uma experiência daquelas que parece que você sai do corpo. Era pouco depois das 8h30, o sol tinha acabado de se por por conta do horário de verão, e as ruas estavam meio que tranquilas. Eu apontei o nariz do carro na direção que precisava tomar, e fui nessa.
Quando entrei na avenida principal que ligaria o bairro onde eu estava àquele que era meu destino, pareceu que o mundo se liquefez. Via os prédios ao longo da avenida, mas como ela era bem larga, parecia que eles estavam a um universo de distância. O céu ainda tinha algumas cores, apesar do horário, e parecia destacado de tudo. A rua e os carros também pareciam colados no cenário, um efeito de Photoshop mal feito por alguém que não sabe usar o programa. E eu ali, no meio de vários pontos que não se conectavam, e com os quais eu não conseguia me conectar.
A sensação de desligamento foi breve, mas o suficiente para ficar pensando se eu realmente estava ali, aqui, agora, ou se tudo é fruto de minha imaginação. Estou aqui realmente ou sou uma sombra de meu verdadeiro eu?

10.12.09

Não quero balanço de fim de ano

Odeio fazer o balanço do ano. Este ano, odiarei um pouco mais pois foi um ano de grandes reviravoltas. Fui demitido, troquei de emprego e de profissão, tenho a ambição de sempre por dinheiro atrapalhando a avaliação mais sincera de minhas vontades e desejos profissionais, são as confusões da vida que eu gostaria de deixar de lado para poder começar o ano próximo sem essa pauta de coisas a fazer.
É impossível, porém, não pensar no que foi feito. Até porque o que fizemos nos define, será o que fizemos que determinará o que faremos e o que seremos no futuro. Não tem como apagar aqueles porretes (a parte do vexame, claro, o durante eu não me lembro...), não tem como apagar aquelas cantadas furadas, aquelas moças que eu não abordei não voltarão mais, nada poderá ser mudado. Isso só pode ser relembrado para servir de lição.
É que as lições doem, as melhores lições da vida são as mais doloridas. Deveríamos todos ter o sobrenome prego: só aprendemos levando na cabeça...

4.12.09

E lá vem os clássicos mundiais

Uma mulher talvez não entenda a beleza de um jogo como Nigéria versus Coreia do Sul, ou Coreia do Norte versus Costa do Marfim. Afinal, são times de desconhecidos, ninguém deles joga no futebol brasileiro, estão longe, não tem tradição. Mas nesses times até tem um ou outro jogador que está na Inglaterra, na Alemanha ou na Itália. Agora, o que dizer de Argélia versus Eslovênia? Deverá ser um jogo ruim de doer, correto? Errado, será um jogão.
O que as mulheres não entendem é que, na Copa do Mundo, estão 32 times vezes 23 jogadores, um total de 736 pessoas que querem dar o seu melhor para aparecer no mundo do futebol. São apenas 736 caras, de um universo de milhões de jogadores. E a maior parte deles ainda tem brios nacionalistas, ou seja, acham a maior honra de suas carreiras defender a camisa de seu país. Logo, entrarão em campo para dar o seu melhor.
Assim, mesmo jogos em que há a Austrália e a Nova Zelândia, por exemplo, países onde apesar dos ingleses a bola mais chutada é aquela ovalada do rugby, serão bons jogos. Copa do Mundo deveria ser um feriado mundial. Durante 30 e poucos dias o mundo deveria parar para seguirmos o grande espetáculo da bola.
E, se os juízes ajudarem para que nenhuma mão atrapalhe o curso da história de novo, o pequeno poderá vencer o grande e deixar a todos com um sorriso no rosto.
Lá vem a Copa, parem tudo que eu vou assistir até os reprises!!!

2.12.09

Mais uma encruzilhada

Cara, eu gostaria muito de que tudo fosse mais simples. Menos escolhas a fazer, menos decisões a tomar, que para tudo fosse feito um downsizing, como dizem os experts em administração, nas coisas da vida. Isso porque de vez em quando parece que tudo fica mais complicado.
Assim tenho diante de mim uma nova encruzilhada. Envolve os desejos, os sonhos, a razão e o pragmatismo. Algumas opções são lógicas e já teriam sido tomadas se apenas a razão nos guiasse. Outras envolvem sentimentos e sensações de que as apostas atuais podem dar certo, sempre com o receio de que possam não dar. Em relação aos sonhos, como esses podem ser feitos a qualquer momento, a lógica diz que eles podem esperar, pois o momento é de ser pragmático.
Conheço pessoas que adotaram o caminho da razão. Nem todas são felizes, mas aquelas que fizeram suas escolhas pensando em como poder fazer outras escolhas posteriormente, para ir em busca de seus sonhos, são um pouco mais realizadas. A pergunta é se o tempo que se passa fazendo algo que não é bem o que se quer é doloroso ou não.
Claro, essa é uma dúvida para quem pode se dar o luxo de tê-la. Pergunte a quase qualquer pessoa sem muito dinheiro o que ela escolheria, e terias a resposta. A filosofia mata, melhor ser ignorante às vezes e ser feliz. Tem razão quem disse que o otimista é antes de tudo um mal informado, do mundo e dele próprio.

30.11.09

Como escolher

No Brasil, parece que todos os partidos políticos não prestam. Todos têm uma espécie de mensalão em curso, variando apenas as quantias e os locais onde o dinheiro é guardado - o do PT ia pra cueca, o do DEM vai pra meia, para onde deve ir o dos tucanos? Enfim, o mar de lama alcança todo mundo.
Mas é necessário entrar em um partido político para poder fazer alguma coisa, para poder tentar de alguma maneira mudar um pouco que seja esse lance. Se você está fora dos partidos, você é apenas um corneteiro que fica enchendo o saco do time sem contribuir em nada, por melhores que sejam seus comentários. Só que fica difícil entrar em um partido vendo essas coisas.
Na minha opinião, você deve ler os programas dos partidos e entrar naquele que tem o programa que melhor lhe agrada. Sim, mesmo que os partidos não sejam programáticos, tem que ler o que eles, em teoria, querem para o País. Daí você entra e começa a participar, e tenta mudar algo de dentro deles. Talvez seja possível cobrar mais postura ética, ou no mínimo cobrar a coerência com o programa do partido. Sei lá, você entra e vê o que acontece, mas pelo menos você está dentro. De fora, é fácil tacar pedras, tem que ver o que acontece dentro.
Eu ainda não fui chamado para a primeira reunião do partido ao qual me filiei. Mas confesso que estou acumulando argumentos para falar e ver o que acontece...

24.11.09

Quem cochicha...

Ele está sentado em sua mesa, digitando tranquilamente. Está calmo, certo de que está desempenhando bem sua função, talvez até fazendo mais do que devia (ainda que essa avaliação seja sempre subjetiva, quem faz acha que está fazendo mais do que devia, quem paga acha que está fazendo menos do que deveria). Mas está ali, calmo, trampando sem problemas.
Ao seu redor, um mar de cochichos, de reuniões de emergência, de broncas vindas do nada. Algo há no ar, e ele não percebe direito o que é. Talvez por não ser da turma ele não perceba. Talvez por ser novo no lugar ele não perceba. Talvez por achar que não é com ele mesmo, e um parte dele gostaria que fosse com ele, ele não percebe nem pergunta o que é.
Ele fica ali, aparentemente calmo, rodeado de cochichos, esperando para ver o que acontece, na torcida secreta para que todos saiam ganhando. Afinal, esse não é um jogo.

23.11.09

Exílio

Houve um tempo em que foi necessário exilar-se. Não me lembro direito hoje as causas dele, ou melhor, fiz questão de esquecer algumas causas, pois elas eram ridículas, infantis, descabíveis até para um quase homem de 32 anos de idade. No entanto, à época elas me pareceram muito sérias e importantes e lá fui eu, mochila às costas, de volta à Europa.
Me lembro muito bem que o que mais me indignava era o banheiro da casa onde eu morei em Londres. Era pequeno, apertado, constantemente sujo por conta minha e dos outros com quem dividia a casa. Dava-se um jeito, mas era uma sensação ruim. A recordação mais forte desses momentos é a pergunta que ecoava em minha cabeça: "O que eu estou fazendo aqui?" Eu trabalhava em uma grande empresa, tinha um salário que ainda não recuperei, morava sozinho em um apartamento meu, tinha tempo livre para um monte de coisa, enfim, o que me deu na cabeça?
Apesar da aparente loucura, foi a coisa mais sensata que fiz até hoje. Matei (até onde pode se matar?) a vontade de viajar por um tempo. Aprendi de verdade o que é morar mal e a valorizar o que tenho (tudo o que tinha cabia em apenas uma mochila). E aprendi o valor da liberdade e de não depender da opinião dos outros.
Aprendi umas coisas erradas também, e até hoje me penitencio por não ter conseguido aprender a ser 100% sincero, comigo mesmo e com os outros. Mas o que aprendi me ajuda um monte no dia-a-dia. Quando penso que algo pode estar ruim, me lembro desse exílio último, do primeiro, muito mais aventureiro e juvenil, e do que é dificuldade e do que é importante. É bom para colocar o devido peso nas coisas, sem fazer tempestades em copos d'água ou não ver o que é grave. De vez em quando, o sistema "fáia", mas na média é possível. Quiçá a experiência não seja esquecida.

20.11.09

As duras dores do crescimento

Crescer dói e dá medo. Dói quando os ossos esticam, quando os músculos esticam e se reacomodam em um novo corpo, maior, estranho. A cabeça parece demorar a entender o novo tamanho, e o corpo vai esbarrando pelas quinas de mesas, o dedão dando topadas nos cantos por chegar antes do que a gente imaginava. De repente, aparecem pelos no peito, no sovaco, no saco! Dói crescer.
E dá medo crescer. De uma hora para outra, somos tirados de um mundo sem responsabilidade alguma e jogado em um mundo onde tudo está nas nossas mãos. Somos os únicos culpados e imputáveis por qualquer coisa. Se o livro não está na mochila da escola, a culpa é minha. Se não tem dinheiro pro lanche, a culpa é minha. Mas, até ontem era minha mãe que fazia tudo, cadê ela?
Minha mãe sumiu, meu pai desapareceu e eu estou sozinho agora. Tenho que ser responsável por tudo, tenho que fazer tudo, o que acontecer é resultado direto do que eu fizer, nada mais acontecerá que não seja uma reação a uma ação que eu cometi. É o fim da inocência, o fim da ingenuidade. Mas não quero, me recuso, não vou crescer, não, tá cedo ainda, quero continuar criança, por favor, me deixem pequeno!!!
Não quero crescer, pouco importa a doce sedução de poder dirigir, de poder sair sem dar satisfação a ninguém, de fazer o que me der na telha, pois sou o responsável pelos meus atos. Não, não quero, não quero ser responsável de nada. Quero liberdade, desde que alguém esteja me amparando, não quero deveres, quero apenas direitos.
Mas ninguém houve meu chamado, os ponteiros do relógio continuam girando, indiferentes ao meu clamor, e as responsabilidades vêm chegando. Vou tentar fugir delas, mas não sei por quanto tempo isso será possível. Vamos ver, vamos ver.

18.11.09

Frágil vida humana

É difícil entender o conceito de vida. De um lado, ela parece tão frágil, que qualquer coisa pode acabar com ela. Um telefonema ameaçador, uma doença besta mal curada, uma batida de carro, uma viga que cai de um viaduto que está sendo construído, uma enchente, enfim, qualquer coisa pode dar fim à existência.
Por outro lado, somos resistentes pra caramba. Temos resiliência ao frio, ao calor, conseguimos comer porcarias, vomitar, e continuar inteiros, aguentamos doenças que podem ser fatais por muitos e muitos anos, talvez até nos curando delas, não há limite para as coisas que podemos fazer com o nosso corpo.
Só sabemos que achamos a vida muito, mas muito valiosa, e que não queremos abrir mão dela, em momento algum. Nem que nossos parentes e pessoas amadas morram também, mesmo que por mesquinharia nossa. A vida deveria ser para sempre, não queríamos enfrentar a morte, já é duro enfrentar o risco de perder a pessoa amada por alguma idiotice qualquer.
Queríamos uma vida que fosse apenas forte, nunca frágil. Queríamos eventualmente ser como vírus que sobrevivem muito tempo sem atividade e só quando provocados fazem alguma coisa. Mas aí, provavelmente, isso não seria uma vida...

10.11.09

Imprevistos imprevisíveis

Diz a lei de Murphy do gerenciamento de tempo que, para todo projeto, é necessário aumentar o cronograma em 20% para imprevistos previsíveis, e mais 20% para imprevistos imprevisíveis. Desconfio que o formulador dessa lei estava pensando na própria vida.

Isso porque na vida também é necessário reservar um tanto de nossas energias e emoções para os imprevistos previsíveis e um pedaço até que considerável para os imprevistos imprevisíveis. Em minha opinião, os imprevistos previsíveis são um casamento (formal ou não), filhos, batidas de carro, alguma doença, enfim, coisas que gravitam próximo a você.

Mas há os imprevistos imprevisíveis, que quando menos se espera te atingem sem que você tenha noção de onde veio o golpe. Por exemplo, a empresa onde você trabalha foi vendida, e você é um daqueles "cargos redundantes", como se chama eufemisticamente o cargo duplicado. Você tá fora, é claro. Ou então uma multa de radar de trânsito referente a um estacionamento proibido em uma cidade que você nunca visitou (agradeça ao fdp que clonou tua placa). Ou um processo na Justiça envolvendo um parente distante que, por alguma razão, deixou tudo para você, principalmente as dívidas. De uma hora pra outra, você, que é um cara todo certinho com as contas, tá devendo alguns milhões.

Esses imprevistos imprevisíveis são de derrubar qualquer humor, por melhor condicionado que você estaja para reagir a tudo. Nessa hora, a sensação é de que Deus existe sim, mas que ele é um grande lazarento e brigou com você, e que agora você vai ver o que é bom pra tosse. Dá pra reagir, mas que se perde a fé nesses momentos, ah!, se perde sim.

4.11.09

Eternos descontentes

O sol brilha intensamente, depois de tanto tempo chuvoso. Quase que imediatamente, já aparece gente reclamando que tá muito quente, que tá abafado, que onde já se viu tanto calor etc. Claro, são os mesmos que semana passada não paravam de reclamar da chuva, do frio, do vento etc. São eternos descontentes.

Deve haver um problema interno com essas pessoas que as impede de conseguir estar em paz consigo próprias pelo menos alguns instantes. No entanto, parece que esses eternos mal-humorados lidam melhor com as situações difíceis. Uma pesquisa da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, diz isso, pois o mal-humorado tende a ser mais atento e cautelosos, menos ingênuos e melhores em tomar decisões. Os bem-humorados, pelo contrário, são mais criativos, flexíveis e mais colaborativos.

Talvez até sejam melhores, mas que é um porre conviver com gente assim ao lado, ah isso é. Melhor ser mal-humorado apenas no trabalho, já que a pesquisa mostra que um pouco de rabugice é bom para aumentar a produtividade.

29.10.09

O que me preocupa

O que me preocupa nesse governo é que ele está "companheirizando" todo o Estado. Tudo bem que todo governante faz isso, pega os seus aliados, cupinchas e comensais e os coloca em postos de poder, grande ou pequeno, para poder dominar tudo.
No entanto, nunca antes na história desse País isso ficou tão descarado. E se antes havia uma sensação de que, mudados os governantes, mudariam as pessoas, esses que agora estão querem perpetuar-se em seus cargos e comissões. Quando se fala com um deles, há sempre um discurso de que "com FHC era ruim, com o Lula é maravilha".
O ponto que é mais preocupante é que eles não aceitam o diálogo e a controvérsia. Ou se é a favor do Lula, do PT e de tudo o que ele faz, ou você não vale dois tostões. Toda opinião contrária é imediatamente desqualificada, tida como enviesada, como alguém que está jogando contra o País.
Ontem estava em um curso promovido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, ligada à Sealopra (Secretaria de Assuntos Estratégicos de Longo Prazo). (Tá, tem outra sigla, mas esse é bem melhor). O IPEA sempre contestou o FHC, e mesmo sendo uma autarquia federal, o ex-presidente nunca cogitou em tucanizá-lo. Durante oito anos o IPEA criticou as políticas públicas. Chega o Lula, companheiriza tudo, e no que vira o IPEA? No instituto que justifica teoricamente todas as ações político-econômicas do presidente.
O curso chega a ser vexaminoso em alguns pontos. Como, por exemplo, um pesquisador tenta justificar a escolha do Lula por acordos comerciais com países africanos e latino-americanos e a escolha da OMC como fórum na luta por menos barreiras comerciais, em detrimento de estratégias como as do Chile e da Coréia do Sul, que fazem acordos de livre comércio bilaterais com países e blocos comerciais desenvolvidos, como Europa, Estados Unidos, Japão etc. "Diversificamos a pauta do comércio exterior, não somos dependentes de um país só", disse o pesquisador. No entanto, o País continua representando apenas 1% do comércio mundial, mesmo sendo o 8º PIB. Defesa inútil ante os fatos.
Esse foi apenas um exemplo. O curso foi farto deles, e é uma mostra do que acontece em nível nacional com os companheiros. Se um governo de oposição suceder o Lula, pode esperar que ele vai ter brigas constantes com todos os institutos de pesquisa estatais, pois estes estão hoje, infelizmente, totalmente "companheirizados".

26.10.09

Problemas com o cigarro

Eu tenho problemas com o cigarro. Por exemplo, eu odeio os fumantes que, em sua grande maioria, são um bando de porcos. Quantas vezes eu tenho vontade de xingar um motorista que, assim que acaba seu cigarro, jogar a bagana pela janela, como se a rua fosse um grande cinzeiro. Pô, será que esse lazarento não tem cinzeiro dentro do carro? Ou, como nunca usou, nem sabe onde é?
Eu odeio também quando chego em casa cheirando a cigarro. Claro, dessa nem posso reclamar muito, pois afinal eu já sabia que entraria em um bar e lá seria recebido por uma nuvem de fumaça. Mas que dá nos nervos tirar a roupa e estar se sentindo como alguém que dormiu no fundo de um cinzeiro, há dá sim.
Também implico com os caras que abrem seu maço de cigarro, pegam aquele plástico do lacre e, junto com o primeiro pedaço de papel que protege os cigarros (naquelas embalagens de caixinha), fazem uma bolinha e tacam na rua ou pela janela. Parece que, para esses caras, isso não é lixo, é algo natural, que faz parte. Tacar a guimba pela janela do apartamento também é normal, ora, por que não? Afinal, é algo tão pequenininho, ninguém vai perceber...
Eu estou bem contente com a lei antifumo. Não é questão de ser moralista, é ser contra a porquice. Em minha opinião, o fumo deveria ser proibido nas ruas também, e só deveria ser permitido fumar em casa. E de janelas fechadas, pois na hora que o fumante porco fosse tacar a guimba pra fora de casa, aquele toco em brasa bateria na janela, respingaria na cortina ou no sofá, e começaria o incêndio ali. Aí o cara ia ter fumaça à vontade para aspirar, sem perturbar ninguém nem sujar a cidade. Que sonho!!

21.10.09

Pessoas

Ontem encontrei um colega que já admirava a algum tempo. No entanto, após a conversa, passei a admirá-lo muito mais. É muito bom encontrar pessoas que colocam nossos dramas pessoais na perspectiva correta.
Não desmerecendo a dor que sentimos, é necessário dimensioná-la de modo que ela não pareça maior. As tempestades em copos d'água são das coisas que atravancam nosso progresso espiritual e nesse plano. Por isso, quando encontramos com pessoas que nem esse meu colega, é muito bom.

16.10.09

Governos idiotas

Basicamente, todos os governos são idiotas. E em nosso país, onde a idiotice parece ser um valor a ser cultivado, eles são ainda mais idiotas. Todo o pretenso "confronto de ideias" entre situação e oposição, aqui, não passa de um discurso pomposo para um objetivo velado, que é o de desviar parte dos recursos que todos produzimos para os bolsos de alguns, ou seja, privatizar alguns lucros da atividade estatal.
Pois é disso que se trataram todos os governos até aqui, incluindo este. Nenhum governo até hoje, nenhum, teve um projeto de país. Um ou outro teve um plano de governo, sujeito a mil interferências de todos os tipos, bons ou ruins. Mas todos tiveram um projeto de pilhagem do recurso público para uso de alguns privados. Todos buscaram fazer isso, e fizeram. Em que nível e quanto, resta saber.
Veja o atual ocupante do cargo. Não é engenheiro, não sabe nada de trabalhos de grande porte, mas resolve "fiscalizar" as obras de transposição do Rio São Francisco. Leva um séquito enorme, contrata um buffet chique da capital do Estado para servi-lo, transforma um quarto do canteiro de obras em suíte cinco estrelas, para subir num palanque e continuar falando besteira. E tudo com um único objetivo: eleger a sucessora para que esta, quatro anos depois, saia do poder para que ele volte triunfalmente. Não há projeto de nada, a não ser um projeto pessoal, idiota, de se achar o único capaz de liderar o país.
Os governos são idiotas não por sua capacidade de malandragem, aparentemente infindável, mas por não pensarem nem um pouco no longo prazo. Todo o horizonte que esses energúmenos têm dura no máximo quatro anos. Nem nos próprios filhos eles pensam, pois ainda que os filhos fiquem ricos com o dinheiro roubado, não haverá condições de usá-lo em um país convulsionado, inseguro, incerto. O grande projeto é enriquecer, não importa às custas de quem.
E o grande mentecapto ainda fica criticando a imprensa nacional, pois segundo ele a estrageira sim é que o olha da maneira certa, positiva. Para ele, aqui se acaba tudo, notícia boa não chega ao jornal, ninguém vê as melhoras do país. Que idiota!

14.10.09

As dores do recomeço

Logo que tudo aconteceu, ele achou que seria fácil abandonar o caminho que estava seguindo para retornar lá atrás, naquela encruzilhada antiga. Foi naquela época em que ele deixou de lado um sonho que parecia certo para trilhar uma senda nova, que parecia promissora e cheia de recompensas.
O brilho logo empalideceu. As conquistas prometidas e alcançadas tinham o gosto amargo de estar perdendo a própria alma. Não havia mais espaço para pensar, nunca houve para contestar, não havia gosto no caminhar. E a decisão foi tomada, ainda que não por ele, mas que seria a decisão em algum momento logo ali à frente. Retornar até a encruzilhada e pegar o outro caminho, aquele que foi deixado de lado.
Era a decisão correta, mas ele não pensava que lhe custaria tanto. Ele ainda carrega nas costas o tempo caminhando pelo lado errado, o esforço gasto para ir um tanto quanto longe, e não consegue se livrar disso. Ainda lembra com amargura tudo o que aconteceu. E, enquanto caminha arrastando o seu passado, não consegue aproveitar o presente e projetar o futuro.
Assim, cabisbaixo, cansado, sentindo nos ossos cada ano vivido e que não tem mais retorno, ele recomeça a trilha para ver se o sonho antigo continua vivo, se ele pode ser retomado. Talvez ainda demore um pouco até o caminho parecer fácil novamente, pois a trilha só melhora depois de um tempo caminhado. Mas não há mais retorno agora, ele sabe qual a opção. E ele não a quer, não hoje.

13.10.09

As mesmas falhas

Errar é humano, diz o velho deitado. Insistir no erro é burrice, diz a sabedoria popular. Mas há alguma maneira de se evitar cometer o mesmo erro repetidamente, vezes à fio?

Pois às vezes parece que não temos escapatória, vamos cometer sim o mesmo erro, sabendo que é uma grande cagada. Dá para evitar, mas não fazemos nenhum esforço para que isso aconteça.

O copo tá cheio, tá vazio, tá cheio de novo, esvazia rápido e de repente é você quem está cozido. Você já sabia que ia dar nisso, tem 40 anos nas costas, tem 25 anos fazendo a mesma besteira, e não muda.

Parece uma sina cometer o mesmo erro e decepcionar novamente quem você ama. Mas agora não dá mais para fazer isso. Tens uma esposa, tens filhos, tens responsabilidades. A ficha tem que cair, pois você pode perder tudo.

Lembra-te da semelhança e proximidade que sentias dos barboni italianos, dos beggars ingleses? Você foi um deles, em algum momento, em outra vida. Está nas tuas mãos não repetir o teu destino nesta vida, em não jogar fora o que vieste fazer aqui.

Acorda, antes que seja tarde.

9.10.09

Congelando na terra das araucárias

Frio. Muito frio. Já é outubro, e o clima está congelante. Parece um outubro inglês, quando já se tiram os casacos pesados do armário pois a qualquer momento pode vir uma frente gelada do Ártico. Aqui, Curitiba, cidade com fama de fria, faz frio de verdade.
As vitrines anunciam as liquidações de inverno com o inverno ainda em andamento. Não podem já renovar as coleções pois ninguém se arrisca a vestir bermuda e camiseta. Claro, a barriga das meninas continua de fora, desde que a humanidade as liberou para mostrar seu umbigo, eles nunca mais foram escondidos.
Tá frio, e tudo fica frio. Perde-se a motivação para sair de casa, visitar os amigos, experimentar um bar ou restaurante novo. Todos os desejos são recolhidos, são o de recolher-se e ficar quieto no seu canto, debaixo de um cobertor, vendo um filme e tomando algo quente. Nada mais. O frio esfria as pessoas, amortece a cidade, deixa-a lenta.
Claro, algo aconteceu com o clima que não é normal. Sem ser um ecochato, estragamos tudo já, e agora vivemos com o inverno em outubro, o verão em julho, e sei lá mais o que quando vier. O problema não é perder o que sobra, mas o que virá no lugar do que destruímos. Aí sim acho que os problemas começarão. Até lá, cobertor e vinho, porque tá frio praca!!!

8.10.09

Body bags

Tá lá o corpo estendido no chão. Envolto em panos pretos, parece um daqueles body bags que vez por outra aparecem nos filmes de guerra americanos. Mas não é um soldado morto, é uma pessoa viva que está estendida no chão.
Ele dorme, envolto em seus panos negros, debaixo das moitas que fazem a vez de cerca em um prédio. Ele dorme, talvez sonhando estar protegido em algum outro lugar, qualquer outro lugar, que não a calçada onde está. Parece um corpo dentro de um body bag.
Mas corpos americanos em body bags são diferentes, parecem até bonitos quando vistos na tela do cinema. Mas o nosso não é bonito. Está ali, no meio da calçada, atrapalhando o tráfego, como disse o Chico Buarque em Construção, atrapalhando a visão idílica que temos de nós mesmos ao lembrar que ainda há muito a fazer.
Esse é um body bag preto. Mas há os de papelão, os de cartolina, os de folha de zinco, os daquele cobertor cinza, o mais barato que tem, sujos de tanto serem arrastados pelas ruas e calçadas. Há muitos body bags no Brasil, todos com gente ainda viva dentro, mas que para a maior parte de nós já está morta de alguma maneira.
Nessa guerra diária, temos muitas baixas, mas quase nunca nos lembramos delas. Será que um dia mudaremos?

10.9.09

Páginas em branco

Espalhados pela mesa estão muitos papéis, com muitas informações. Por enquanto, desconexas entre si, são apenas números, palavras, dados, impressões e opiniões sobre o que há e o que está por vir. Nada concreto, nada certo.
O que é difícil encarar é essa tela em branco, essas páginas em branco que devem ser preenchidas com boas palavras, boas frases, bons textos. Difícil também é gerenciar a expectativa, ficar dependendo do outro para que ele passe a cola que ligará todas as informações e a transformará em um texto útil, que sirva para alguém.
Parece que viver é esperar algo, ainda que você tenha cutucado para que a resposta venha antes e não caia no seu colo. Não, ela não cairá, mas uma vez engrenada a marcha, o resto é aguardar.

4.9.09

Velhos amigos


Para meus amigos Medianeirenses

A minha turma da escola voltou a se reunir. Pouco mais de 20 anos depois de termos deixado o Colégio Nossa Senhora Medianeira, um dos mais tradicionais de Curitiba, a turma voltou a se encontrar. Não sei bem como começou a troca de mails, mas sei que ela vem crescendo a cada dia, com novos velhos integrantes sendo reincorporados ao novo velho grupo.
O mais bacana de tudo é ver que apesar dos cabelos grisalhos (quando há cabelos), das barrigas, das mulheres e ex-mulheres, dos filhos, somos ainda os mesmos piás de bosta de 22 anos atrás. Bastam dois se reunirem para começar a voltar as histórias do passado, os vexames, as tentativas fracassadas de agarrar alguém, as tentativas de sucesso de agarrar quem não devia ser agarrado, os apelidos, as situações, volta tudo em uma torrente que fica difícil segurar o riso.
Nem só de passado vive o homem, mas esse passado toca fundo em nós. Foi a melhor época de nossas vidas (ainda que eu não tenha comido ninguém, não por falta de tentativa, mas por absoluta falta de savoir-faire. Não conseguia imaginar a frase que fazia com que uma mulher menina daquela época passasse dos beijos para a a cama comigo. Acho que ainda não sei, mas dei um jeito depois), uma época em que podíamos tudo, em que todo o futuro estava à nossa frente e tínhamos total confiança de que conseguiríamos o que quiséssemos. Éramos os tais.
E como é bacana ver que as relações estabelecidas naquela época continuam fortes, continuam firmes. Claro, não houve contato frequente na maioria das vezes entre as pessoas. No entanto, parece que demos tchau ontem, no último dia de aula do terceiro ano do segundo grau, e que hoje é o primeiro dia de aula depois das férias. Alguns se viram durante elas, a maioria não, mas todos, todos, se conhecem, se falam, se relacionam e tem pontos em comum. Não há estranhos no meio, apenas amigos e colegas. Não é uma sensação de dejá vu, mas uma sensação de retorno a um lugar conhecido em que estávamos muito bem. Sentimo-nos todos confortáveis e seguros, pois estamos em casa, entre os nossos. É essa sensação que faz com o que passado seja muito forte entre nós. Éramos um grupo, somos um grupo, seremos um grupo unido por crenças maiores, únicas, que somente a nós pertence (tenho certeza que há muitos grupos semelhantes por aí, mas esse é o nosso). E levaremos isso para todo o sempre.
Hoje, aos 40, estamos revivendo nossos passados com a troca de relatos e a relembrança de fatos que talvez fosse melhor que tivéssemos esquecido. No entanto, são fatos que definem quem somos. O tempo separou quase todos e poucos mantiveram um relacionamento constante. Entre alguns que se reencontraram, há as sementes para se recomeçar um relacionamento, uma relação que viva também do futuro, não apenas do passado. Na maior parte, porém, será uma grande farra reencontrar-se com alguma frequência para falar besteiras.
E só por isso, já valerá a pena.
Grande turma!

2.9.09

Sem glamour

Acordar. Passar café, tirar as crianças da cama, comer com eles, pegar o carro, levá-los à escola. Parar na mercearia para comprar frutas, errar na escolha de umas (ainda não ter aprendido a comprar banana, que dureza...), acertar outras, voltar pra casa.

Instalar o fogão novo, checar o mail, arrumar a caixa de ferramentas, deixar tudo preparado para o próximo estrago de alguma coisa que inevitavelmente acontecerá, mas não se sabe o quê. Aguardar.

Buscar as crianças na escola, perguntar como foi o dia, almoçar com eles, dar uma pausa e começar a cobrar as tarefas: lição de casa tá pronta?; tá arrumada pra aula de piano e balé?; pôs o kimono para o tae kwon do?; tem que comprar pão?; falta cotonete, passe na farmácia e compre.

Voltar, mandar as crianças tomar banho, tomar banho também, por uma roupa confortável, preparar o jantar, esperar a mulher voltar do trabalho, jantar com todos, mandar todos para a cama, ir para a cama, ler um pouco, quem sabe, e dormir.

Sem frescura, sem glamour. Mais um dia como todos os outros, mais um dia para esperar algo que, sem saber o que é, se espera que apareça do nada. Nem procurar se vai, por isso não há o que reclamar. Um dia comum, igual a milhares de outros dias de outras pessoas espalhadas pelo mundo, que também esperam algo que não sabem o que é, que lhes dê mais tempero na vida. Quando o que dá gosto é justamente o cotidiano, o saber vivê-lo sem esperar glamour, sem esperar o brilho falso. Lição difícil, mas necessária.

31.8.09

Mais uma encruzilhada

(ao estilo do Twitter, por absoluta preguiça)

Mais uma encruzilhada se coloca à frente. Será que terei coragem de dar o grande passo para poder fazer o que realmente quero? Por que as respostas não são mais simples, ou melhor, por que não analisamos as perspectivas de maneiras mais simples e realistas, em vez de fazer grandes dramas?

28.8.09

Bela família

Bela família é a minha. De um latrocida assassinado pela polícia, três vezes capa da Tribuna, a um doutor em Engenharia Florestal, tem de tudo no meio.
Daí que, quando me perguntam se não quero ter filhos biológicos meus, eu respondo: "melhor não passar adiante meus genes, olha no que deu". Vai que eu passo adiante o lado errado...

27.8.09

Cansaço

Esse país cansa a gente. As manchetes online da tarde de hoje eram de doer. Dividindo o espaço, às vezes quase com a mesma importância, está a absolvição do Palocci (nem vale comentar, é um dos companheiros, pode dar problema) e o erro de português da filha da Xuxa.

O primeiro fato cansa pois é mais um exemplo daqueles milhares que temos que mudar nas próximas eleições para tornar esse um País ao menos civilizado, em que as leis valem para todos. Mas qual o quê, quanto mais esclarecidas as pessoas, menor a vergonha de cometer ilícitos. Pelo contrário, parece que todo o saber está direcionado para burlar as leis de alguma maneira, para justificar o que é injustificável, para explicar o que não tem explicação. Vai mudar, mas demora. Enquanto isso, sofremos cansados.

O segundo fato, ainda que comum ao mundo inteiro, mostra o quanto as banalidades que não tem importância alguma no mundo tomam uma proporção que vale manchete, coloca repórteres (alguns talvez até bons) cobrindo fatos totalmente fúteis. E daí que a menina não sabe escrever? Ela e mais 100 milhões de brasileiros não sabem. E a galera fica indignada com o quê, com a filha de mulher rica que não sabe escrever ou com os 100 milhões? A resposta você já sabe, não preciso repetir.

Aqui na terra das araucárias, indiciaram o deputado bêbado pelas duas mortes que provocou ao volante. Pode até ser que seja condenado, mas demorará quanto para a Justiça julgá-lo? Daí tem outra notícia, a de que a Justiça restringe o atendimento ao público para garantir as férias dos magistrados. Cara, mais férias? Eles têm 60 dias de férias remuneradas por ano, contratavam os parentes a torto e a direito (agora, para não serem pegos, contratam os parentes dos outros juízes, que retribuem o favor, e fica tudo como estava), e ainda restringem o atendimento.

Tá fogo, tá fogo, para não escrever um palavrão. Fosse há 40 anos, esperava-se uma bomba. Hoje, infelizmente, tudo o que se espera é a abertura das inscrições para o novo Big Brother, para poder sair pelada na Playboy ou pelado na G, depois, e vamos nessa. A indignação nossa se resume aos textos mal escritos como esse em blogs, e nada mais. Tristes tempos em que vivo e que ajudo a deixar triste...

25.8.09

Segunda chance

São 39 anos, hoje. 39 anos em que com certeza fiz muitas escolhas, algumas certas, outras erradas. Uma delas, a que mais me atormenta nos dias de hoje, estou tendo a chance talvez única de tentar refazê-la, de voltar atrás e tomar uma outra decisão. Tenho a chance de apagar um pedaço da vida que se seguiu após essa escolha, mantendo apenas os ensinamentos dela, e voltar no tempo para recomeçar a caminhada.
Não acredito quando dizem que "cavalo encilhado só passa uma vez debaixo da janela". Claro, se você acredita que existe apenas um cavalo, então ele só passa uma vez. Mas vários cavalos passam debaixo de nossas janelas. Há sempre várias chances aparecendom, muitas oportunidades. Você escolhe qual delas quer para si. Às vezes dá errado, mas é parte do processo errar.
Também não acredito quando dizem "essa é uma chance única". Acredito apenas que é única se você pensar naquela conjunção de fatores. Mas há muitas chances que podem te levar a fins satisfatórios, seja em termos pessoais seja em termos profissionais. Achar que só existe uma mulher ideal no mundo, que só um trabalho pode te fazer feliz, que apenas uma cidade é o local certo para você morar é acreditar que existe um destino já escrito e estamos condenados a ele, sem chance de mudar.
Por isso, aos 39, vamos começar de novo. Deve ser a quarta ou quinta vez que faço isso nessa caminhada. Felizmente, ainda me sinto novo o suficiente para encarar o que vier e ainda dar risada com isso. Allons y!!

24.8.09

Enquanto o Carnaval não vem

Enquanto o Carnaval não vem eu espero. Pois quero me esbaldar é no Carnaval. Antes não, parece que não é bem a época para se aproveitar, para dar risada. Não, antes do Carnaval é para ser sério, circunspecto, taciturno até, pois não há como se divertir. Diversão mesmo é no Carnaval.

Enquanto o Carnaval não vem, eu vivo esperando por ele. Quero logo ele, queria que ele viesse antes e que ficasse por mais tempo. Quero o Carnaval pois lá sim posso soltar o freio para fazer o que eu quero. Fora de lá, tenho que me adaptar, tenho que fazer o que esperam que eu faça, tenho que parecer contente com o que faço, tenho que me enquadrar. Por isso quero o Carnaval.

Enquanto o Carnaval não vem eu amaldiçoo o tempo que tenho que esperar. Não me divirto pois só no Carnaval dá para se divertir. Não saio pois só no Carnaval vale a pena sair. Não vou atrás de ninguém pois só no Carnaval as pessoas valem a pena, são elas mesmas. Fora do Carnaval, todos usam máscaras de verdade, e não as máscaras de mentirinha. Mais sincera a colombina levando a cantada do vigésimo pierrô que minha colega de trabalho aceitando sair comigo. Não, quero a verdadeira ilusão do Carnaval, não a falsa realidade do meu cotidiano.

Enquanto o Carnaval não vem, deixo de viver o dia-a-dia pois ele não vale a pena. Não quero as dores que ficam para sempre, não quero as decepções que são verdadeiras, não quero que a realidade invada. Quero a fantasia dos quatro dias de festa, quero o momento que passa e não deixa lembranças amargas, apenas a sensação de "uau, foi bom demais!", sem compromisso. Quero o êxtase, não os sorrisos pequenos.

Enquanto o Carnaval não vem, não vivo o momento, mas espero o grande momento chegar. Dizem-me que não estou aproveitando cada instante. Mas cada instante é chato, verdadeiro, duro! Não quero cada instante, quero apenas os instantes do Carnaval, quero somente aqueles dias, e nenhum outro mais. Se vale a pena esperar e não viver esse momento? Diga-me você...

20.8.09

Mudança repentina

Hoje de manhã, pouco antes do sol nascer, não havia uma única nuvem no céu. E o sol veio, iluminando o céu com aquelas cores impressionistas, meio laranja, meio vermelho, antes de ficar azul, um lindo azul, prenuncio de um ótimo dia.
De repente, bateu um vento e tudo mudou. O que era azul ficou cinza, o que estava quente esfriou, o que era calmo ficou agitado, tá com cara de garoa. De repente, em menos de cinco minutos, o que havia já não há mais, e o que está é incerto, sem previsão.
Será que tem que ser assim, sempre?

18.8.09

Existe verdade?

Eu tenho lá minhas dúvidas de que exista uma única verdade. Costumo brincar com os advogados que conheço que, se existisse mesmo uma única verdade, os advogados não seriam necessários. Bastaria chegarem as duas partes de um contencioso ao tribunal, frente a frente, contar o que aconteceu de verdade e pronto, um juiz diria quem tem razão (que não é verdade) e fim da história..

Mas claro que isso não acontece. Os advogados são necessários pois eles tentam fazer valer uma versão da verdade, a versão que o seu cliente está contando. Eles abrem mão de todos os argumentos possíveis para convencer o juiz e os jurados de que seu lado tem mais razão que o outro. E o advogado do outro lado está fazendo a mesma coisa, mas pegando outro caminho.

Tem um livreto póstumo do Schopenhauer, 38 estratagemas para se obter a razão, que explica de maneira bem simples que a verdade é apenas um conceito filosófico, e que em uma discussão o que todos querem é obter a razão, sair com a palavra final do embate. Nada de prevalecer a verdade, nada disso.

E se pensarmos no jornalismo, a coisa fica ainda mais fluida. Pois, dependendo das crenças do jornalista, acreditar no que ele diz é acreditar na versão que ele deu às versões das pessoas que entrevistou, ou seja, o segundo ou terceiro relato do que aconteceu. Será realmente verdade o que está escrito?

Talvez a verdade esteja mais para o conceito de partículas subatômicas. Parece louco, mas não é. Na física quântica, a maneira como se observa algo influencia diretamente no resultado do que é observado. O pesquisador e seus apetrechos de pesquisa afetam as partículas, de modo que temos sempre resultados aproximados ou convergentes após muitas e muitas observações, mas nunca um resultado único. Uma verdade quântica, que nunca é definitiva.

Não que isso nos ajude muito a compreender o mundo que aí está, mas poderia diminuir muitos conflitos pessoais, profissionais e até diplomáticos entender que há várias versões da verdade, e que buscar a convergência entre elas seria mais produtivo que impor uma delas à força a quem quer que seja.

17.8.09

Atenção – URGENTE – Nova doença sem cura!!!

Atenção!!! Há poucos minutos, autoridades sanitárias de todo o mundo descobriram uma nova doença fatal para todos os humanos!! Ela já se alastrou por todos os países de todos os continentes, e até o momento não há nada no horizonte que indique haver alguma cura possível!! O alerta é geral.

As pesquisas feitas pelos renomados institutos Wolfgang Amadeus Mozart, de Viena, na Áustria, pela Universidade Livre Eric von Lustbasten, de Hamburgo, na Alemanha, da Faculdade de Ciências Médicas Willian Pickard III, de Honeywell, nos Estados Unidos, chegaram à mesma conclusão após testes com mais de um milhão de pacientes. Esses estudos mostram que a doença provoca a morte em 100% dos casos. Nunca se viu nada tão letal.

As poucas tentativas que foram feitas de se evitar essa doença foram um fracasso!! Alguns médicos tentaram a criogenia, mas tudo o que conseguiram foi evitar o fim já previsto. Outros tentaram enganar a doença com cirurgias plásticas, mas a carne inevitavelmente decaiu e a morte chegou. Alguns evitaram comidas gordurosas, bebidas alcoólicas, guloseimas de qualquer gênero, fumo e drogas em geral e levaram uma vida regrada, com muito exercício físico, sono regular e orações, mas nada deu certo, tudo o que conseguiram foi morrer de tédio, outra causa mortis bem comum em nossos dias.

A conclusão dos cientistas é estarrecedora: não há cura para a vida!! Uma vez nascidos, estamos todos destinados a morrer, dia sim dia não. Assim como os impostos (que no entanto podem ter cargas variáveis), a morte é consequência inevitável da vida. Não há como se curar da vida, já que estamos aqui para viver e morrer. Muito mais letal que a gripe suína, a gripe aviária, a gripe espanhola e o resfriadinho que se cura com conhaque, mel e limão, a vida (aliás, pré-requisito básico e necessário para se pegar qualquer outra doença) não tem cura.

Portanto, aproveite cada momento dessa doença sem cura. Saia, curta os amigos, a família, ria, chore, se desespere, faça algumas cagadas, desaponte algumas pessoas e depois se arrependa, ame muitas vezes, enfim, faça o que der na telha. Privar-se de tudo não adiantará nada, morrerás. Por isso, melhor aproveitar esse intervalo para fazer algo de bom (e se acreditas em reencarnação, saiba que a doença continuará válida, morrerás de novo na próxima...).

E, se não quiseres ir tão cedo, se cuide, mas sem exageros, tá? Não deixe a paranóia te dominar, pois aí sim é o fim!!


13.8.09

Em busca de sentido

Em 2012, o mundo acaba. Pelo menos, é o que os maias disseram. Pode até ser que o mundo físico não acabe, mas talvez tenhamos que ver essa profecia mais como uma metáfora. O mundo como o conhecemos hoje pode ser que acabe. O mundo com os valores que são vigentes hoje talvez acabe. O mundo em que ter é mais que ser poderá ter seu fim. O mundo em que a aparência vale mais que a essência poderá não mais existir depois daquela data.
Não que um grande cometa moral virá dos confins do universo para atingir a consciência de todos. Talvez será apenas o ápice de um grande desconforto pelo qual passa a humanidade hoje em dia, em que muita gente acaba perguntando o que está fazendo nesse mundo e não percebe sentido no que faz diariamente. A cada dia, mais gente se faz essa pergunta. Claro, gente que já passou a barreira da mera sobrevivência diária e pode filosofar sobre o sentido da vida. Mas o contingente é cada vez maior.
São pessoas incomodadas com a destruição do planeta, com a busca incessante do lucro pelo lucro como motivo maior de tudo, com a competição desenfreada em todos os campos, com a ambição desmedida de muitos, a riqueza acumulada de poucos em detrimento da pobreza de muitos. Sem ser inocente, parece haver um desconforto com a maneira como o mundo funciona hoje. Ainda não há uma alternativa a isso, por isso o grande desconforto.
Sobreviveremos ao que vier, independente do que seja. Só espero que seja em um mundo um pouco melhor, para que deixemos alguma herança bacana para nossos filhos.

12.8.09

Recomeçar

Recomeçar é insistir na esperança de que as coisas podem ser diferentes. Acreditar que decisões erradas tomadas há algum tempo podem ser revistas, refeitas e um novo caminho pode ser reescrito. A idade só importa se você dá muita bola para ela, ou permite que ela crie uma camada de soberba sobre você que o impeça de aceitar recomeçar de maneira humilde, por baixo, por menos.

Mas é uma chance ímpar de poder por na balança o que realmente importa, deixar de lado o que parecia importante mas que não é para você, de colocar aqueles objetivos que tocam fundo em sua alma, de poder realinhar tudo. Não será fácil, retirar a pátina de anos de experiências e impressões que ajudam a crescer mas são equivocadas, pois não mexem e não alcançam a essência.

Recomeçar, buscar um novo caminho, que na prática pode ser até um velho, mas que foi deixado de lado em busca de uma recompensa imediata. E como sempre, o imediatismo cobra seu preço no futuro. Enfim, pague-se o preço agora, e vamos em frente.

19.5.09

Tem algo errado

Existe algo de errado com o jovem de hoje, e isso não é conversa de um quase senhor de quase 40 anos de idade. Percebi isso assistindo às apresentações das agências de propaganda que concorrem à conta de publicidade do POP e do Vono, empresas que pertencem à empresa onde trabalho, a GVT.
Todos foram unânimes em dizer que o jovem de hoje adora, ama, não vive sem estar presente em todas as redes sociais que existem: Orkut, Facebook, MySpace, Sonico, Hi5, Twitter, este blogger, etc e tal. Em todas, eles adoram contar o que estão fazendo, quais são suas preferências, seus hobbies, onde vão, com quem ficam, com quem deixam de ficar. Em todas elas, vão deixando mensagens achando que estão conversando com outras pessoas, estabelecendo ligações (talvez até estejam, mas acho difícil imaginar como).
Minha estupefação é: por que tanta vontade de aparecer? Uma das publicitárias que passou pela concorrência disse que todas essas ferramentas permitem ao jovem driblar a sua timidez e, quando ele se encontra com uma outra pessoa no mundo real, essa pessoa já a conhece um pouco, pois viu sobre ele em algum site. Eu não acho que seja isso. Acho que tem um muito de proteção e projeção de um eu superior ao eu verdadeiro, pois a internet aceita tudo, dificilmente aparece alguém para checar se o que dizes é verdadeiro.
Eu tenho muitas dúvidas também se os jovens se comunicam mais e se estabelecem laços de verdade com outras pessoas. Tem um monte de gente que afirma conhecer pessoas que começaram a namorar na Internet. Pode até ser verdade, mas acho que a maior parte tem o que o Zygmunt Baumann chama de amores líquidos. Os laços são fracos, se eu não gosto do que falam de mim eu tiro ele do meu Orkut, deleto da minha lista de RSS, bloqueio no celular, mas não digo nunca a ele que não gostei do que ele disse.
Para mim, tem algo errado quando todos se escondem atrás do teclado para se relacionar. Só espero poder descobrir o que é isso quando meus filhos chegarem à idade de também construírem a sua identidade digital para poder não me assustar tanto.

11.5.09

Dificuldades, eu?

Hoje ajudei uma cega a atravessar a rua. Daí que acabei guiando-a por mais duas quadras. Ela levava um cactus nas mãos. Achei estranho que uma cega levasse um cactus, afinal, nem acariciar a planta ela poderia. Mas ela me contou que, quando era criança, na casa onde moravam, havia um cactus pequeno que ela e o irmão cuidaram até virar um cactus grande, que superava o beiral da janela, com orelhas como a do Mickey. Logo, ela tinha visão e a perdeu em algum acidente. Ela também contou que havia três pés de caqui no seu pomar. E que um dia, logo depois do dono do terreno morrer, a prefeitura veio e colocou tudo abaixo, cactus, caquizeiros e as outras árvores do pomar. E ela e o irmão choraram um monte. Mas hoje, mesmo cega, ela comprou um cactus.
Na sexta estava esperando minha família me pegar em frente ao serviço. Olhava o movimento, quando o menino apareceu. No lugar dos braços, dois cotos, sem mãos. As pernas eram finas, quase somente a pele sobre o osso. Ele usava um óculos grosso, típico de quem tem miopia. Um dos filhos da infame talidomida. E levava pendurado no pescoço o crachá de onde trabalhava. Sem mãos, quase sem braços, quase sem visão, com pernas que permitiam apenas um caminhar claudicante, ele trabalha e batalha por alguma coisa, algum sonho que tem.
Hoje minha esposa me contou uma história. Ela estava no seu trabalho quando um senhor, que ela só havia visto uma vez por conta de um serviço que ele prestou a ela, chegou quase chorando ao seu escritório. O senhor vinha pedir ajuda. Seu filho, no dia anterior, havia morrido. O filho e sua namorada foram à praia e subiram em umas pedras para tirar umas fotos. Uma onda forte veio e jogou ambos ao mar. Nenhum dos dois sabia nadar, mas o moleque, de 19 anos, fez o que pode e conseguiu salvar a menina. Mas não conseguiu se salvar. O homem, desesperado e enraivecido - "não é justo um pai enterrar um filho, não é justo!" - e ao mesmo tempo suplicante, vinha pedir dinheiro para poder pagar a uma funerária transportar o corpo para ser enterrado na sua cidade. Ele não tinha mais a quem pedir dinheiro, já devia ter pedido a todos os conhecidos, mas ninguém tinha nada. Demos o dinheiro para ele, que saiu com sua dor.
Eu parei algumas vezes durante o dia para pensar na cega, no deficiente físico. Depois pensei no senhorzinho que perdeu seu filho. E fiquei com vergonha de mim mesmo de achar que tenho alguma dificuldade grande o suficiente que me emperre a vida.

9.3.09

Receita de um ser humano

Receita Para Se Fazer Um Herói

Ira!

Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural

Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural

Embebece-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio

Embebece-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio

Depois, perto do fim
Levanta-se o pendão
E toca-se o clarim
E toca-se o clarim

Serve-se morto
Serve-se morto
morto, morto

Serve-se morto
Serve-se morto
Não faz tanto tempo assim, mas ele nem de perto se parecia com o mendigo maltrapilho que vejo hoje. Há alguns anos, ele trabalhava como camelô na esquinas das marechais, centro de Curitiba. Eu o via todo dia, pois trabalhava na banca de revistas de meu pai. E admirava a quantidade de bugigangas estranhas que apareciam à venda: descascadores mágicos de legumes e verduras, antenas à prova de qualquer distância, réguas para crianças, enfim, sempre tinha algo novo.
 
De todos, o melhor era o plaquê americano. "Não é ouro, nem prata, nem bronze, é o plaquê americano!", eles gritavam, seis camelôs que se revezavam no ponto. A demonstração da qualidade do plaquê era muito convincente. Em um copo com ácido muriático, eles jogavam um talher normal, uma ficha telefônica (sempre compradas na minha banca, e só valiam as "pratinhas", fichas novas, recém prensadas) e uma das jóias que vendiam. A ficha e o talher derretiam-se, mas o colar ou pulseira de plaquê aguentava. E dá-lhe vender. Um dia, curioso, meu colega de trabalho perguntou o que era, e eles confessaram que era cobre muito, mas muito polido, para ficar com um dourado bonito.
 
Ele era um dos seis. Ninguém tinha muita cara de homem sério, davam sempre a impressão que, tão logo conseguissem algum, se enfurnariam em alguma zona à procura de mulheres e bebida. Independente do que fizessem, no dia seguinte, ao redor das 10h, lá estavam eles com seu plaquê americano.
 
Não durou muito a aventura do plaquê, um ano no máximo, e todos sumiram pela cidade. Mas um deles vive no centro atualmente. Quer dizer, viver é exagero. Um deles se arrasta pelo centro de Curitiba como um espectro a nos assombrar. Regularmente eu o encontro pelas esquinas. Ele está em farrapos. Na perna direita, uma bandagem feita há sabe-se lá quanto tempo, para mal consertar algo que quebrou a muito tempo também. Pendurada no ombro esquerdo está uma mala com seus últimos pertences, provavelmente restos de alguma coisa que não sei dizer. O olhar está perdido, nublado em meio ao álcool e ao loló, últimos entorpecentes que ele usa para esquecer sua vida.
 
Quando o encontro, ele está se arrastando para algum lugar. Eventualmente, vejo em sua mão cinco ou seis caixinhas de banha de peixe-boi, um dos muitos remédios milagrosos que existem nas mãos dos camelôs da cidade. Não creio que ele consiga vendê-los, mas lá estão os cremes em sua mão. Hoje, porém, ele estava ao lado da Catedral da cidade, sentado na soleira da porta de uma loja, uma garrafa de alguma coisa em sua boca, sem forças para se levantar. Um colega de infortúnio estava ao lado, tão nublado quanto ele, enchendo a sua garrafa com o líquido enebriante. São duas vidas que se arrastam, lentamente, para o seu fim, um fim trágico, um fim solitário, um fim em que ninguém lhe estendeu a mão ou, se isso aconteceu, ele recusou (também pode acontecer).
 
Como ele, são muitos os resistentes, os humanos resilientes a qualquer provação. Sempre me pergunto o porquê eles resistem, mesmo sabendo a resposta. Eles abdicaram de suas vidas para que nós possamos fazer algo, para que nós melhoremos. Não tem nada a ver com eles, tem a ver conosco, somos nós que temos que mudar esse mundo. Eles estão aí para nos lembrar, a cada vez que os encontramos, que poderíamos estar no lugar deles (e provavelmente estivemos, em algum momento do passado). E que deveríamos fazer algo para mudar isso. Mas ainda não fazemos...
 
É impossível não se lembrar dos tempos em que havia mais vida nele. É impossível não ficar triste com o seu destino. Mas é mais difícil ainda viver com a certeza que, se eu pudesse fazer alguma coisa por ele, eu não teria coragem de fazê-lo...

12.2.09

Triste mulher gorda

São oito horas da manhã e lá está ela, a triste mulher gorda, sentada na lanchonete, tomando o seu café da manhã. É um café diet, levinho: uma coxinha de frango com catupiry, daquelas pingando óleo, e uma garrafa de Chocomilk. Talvez tenha também comido uma esfiha antes, quem sabe? Sozinha, ela olha o vazio à sua frente e mastiga. E mastiga.

Triste mulher gorda, sozinha na lanchonete, a pensar na vida. Ela talvez esteja pensando na noite anterior, onde mesmo com as amigas estava sozinha. Sim, pois nenhum homem olha pra ela, a mulher gorda. Suas amigas, magras ou no máximo dentro do peso, chamam os homens. Mas eles não olham para ela, ela é apenas uma mulher gorda.

E por isso, para chamar a atenção, faz-se de assanhada, usa decotes mais que generosos, calças com numeração abaixo da necessária, tudo para mostrar o que pode e assim, quem sabe, chamar a atenção de alguém. Mas ela também sabe que chama a atenção por isso, não por ser quem ela é. E sabe também que, se pegar alguém, será alguém que possui alguma tara por mulheres gordas. E isso a deixa ainda mais triste.

Triste mulher gorda, sozinha na lanchonete, pensando que na segunda-feira tudo vai mudar, pois ela começará enfim aquela dieta a tanto programada. Ela vai parar de comer as frituras que tanto ama e que lhe dão aquela sensação de preenchimento. Ela vai parar de se entupir de doces, aqueles doces que dão aquele sentimento de alegria, de satisfação. Vai parar de tomar refrigerantes, os refris que fazem cócegas no nariz. Vai parar tudo, de segunda em diante, só salada, grelhados e sucos naturais sem açúcar.

Enquanto isso, morde a coxinha e sonha com sua magreza. Sonha tão forte que consegue até ver-se magra, chegando para ela na lanchonete, e perguntando secamente: "E aí, gordona, quando você vai ficar como eu?" Cabisbaixa, pensando em quão dura será a caminhada até lá, ela termina a coxinha e, já que a dieta começa na segunda, pede mais um folhado de queijo e presunto. E responde: "Um dia, queridinha, um dia..." E lambe os beiços cheios de farelo, chegando até a soltar um suspiro de prazer ao ver a gota de gordura escorrer pelo queixo...