Pesquisa do Palavrório

1.2.06

Precoce

Sábado de manhã, sete e meia. Terminal de ônibus meio vazio, poucas pessoas indo para o trabalho. Uma mãe com suas três filhas sobe ao ônibus. A mais velha deve ter cerca de 10 anos, a segunda tem entre quatro e cinco, a mais novinha não passará de dois anos. Sobem as quatro e se sentam, o ônibus não está cheio.

Começa a viagem. E é uma viagem, uma hora e quinze entre o ponto inicial e o final. As crianças vão calmas, levam na mão um pastel cada, a do meio sorri, a mais velha não, a pequena tem os olhos arregalados, parece não se mexer, o pastel meio comido à mão.

Pouco depois de 20 minutos, a mãe desce do ônibus. Vai trabalhar. A irmã mais velha, de repente, sobe ao posto de responsável pelas irmãzinhas. Tão cedo e já tanta responsabilidade. Ela sorri, dá tchau pra mãe, segura a irmãzinha menor que se senta entre as duas irmãs. E continuam a viagem.

Asfalto ruim, o ônibus sacoleja bastante. Subidas e descidas, as pequenas até que se divertem, acham bacana o ritmo de montanha russa do ônibus. A mais velha olha para fora do ônibus, um olhar perdido, distante, maduro, maduro demais para uma criança ainda. Ela parece ter um cansaço de uma pessoa de muita idade. Ela olha para fora, suspira, fecha os olhos, encosta a cabeça no vidro, tenta até descansar. Mas logo abre os olhos para ver as irmãs, é responsável por elas.

O ônibus chega ao ponto final, a irmã do meio tinha até pego no sono. A irmã menor se levanta e sente o estômago revirar, vomita um pouquinho, atinge a mão de uma outra passageira, que reclama em voz alta. A passageira tem a delicadeza de não ser tão grossa, apenas reclama para si. As crianças descem do ônibus, a mais velha está assustada com a reação da passageira. Seus olhos parecem dizer: “Moça, desculpe-me, não foi por querer que eu fiquei uma hora e quinze no ônibus, sozinha, sem minha mãe, tendo que cuidar de minhas irmãs, quando tudo o que eu queria era estar em casa com minha boneca”.

As crianças logo somem no meio da confusão do terminal. Começo de manhã, muita gente indo trabalhar. Para onde irão as crianças? Ficarão pulando de ônibus em ônibus até se reencontrar com a mãe? Irão para a casa de algum parente? Terão um porto seguro para ficar durante o dia? Ninguém lhes pergunta, ninguém chega perto, quem viu o vômito até se afasta.

Ainda crianças, mas já tão velhas, tão maduras, tão assustadas. E nós, quase todos, de braços cruzados. Tristes tempos...

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