Pesquisa do Palavrório

17.7.13

Olhar esmaecido

Houve uma época em que era mais fácil andar pelas ruas e detectar o que não estava exatamente de acordo com o figurino geral. Uma pessoa vestida com uma roupa meio esquisita, um orelhão que parecia cair, uma árvore com algum galho quebrado mas ainda ligado ao tronco, enfim, todos aqueles pequenos detalhes que, mesmo não sendo importantes, são parte de nossa vida.
Mas o olhar foi ficando cansado e pouco atento aos detalhes. As necessidades do dia-a-dia vão tornando a vista opaca e direcionada. É como se fossem colocadas em nós aquelas viseiras de cavalos, para impedir que o que está ao redor os distraia, junto com um óculos meio riscado à frente. Não vemos o que está ao redor, temos que estar focados (essa maldita palavra do universo corporativo) em objetivos, resultados, obrigações, convenções, vitórias e afins.
O olhar não pode digredir, não pode viajar, não pode sair do chão acompanhando um sabiá que sobe até o galho mais baixo da araucária para encontrar outro sábia. Não temos tempo para isso, não conseguimos mais ver isso e achar isso legal. A vida torna o olhar utilitário. Veja se há saldo na conta bancária. Veja se o orçamento do conserto do carro já chegou. Veja se há café na dispensa. Veja algo que serve para alguma coisa, não se distraia!!
Com o olhar esmaecido, fica difícil ser poeta, ser escritor, ser artista, músico ou escultor. Todos já conhecem as dificuldades da vida de cor e salteado, mas esperam que o artista tenha esse olhar frouxo, no ótimo sentido, para que ele lhes traga um pouco mais de sentido. Afinal, a vida não pode ser esse nascer - crescer - envelhecer (ou adoecer) - morrer. Tem que ter algo mais!! Para isso temos artistas, para dizer que algo mais é esse.
A violência ao redor - violência física de crimes bárbaros e estúpidos, violência econômica de busca do lucro a qualquer preço, violência política de pessoas que cagam para seus semelhantes, violência filosófica de gente que não aceita o contraditório, violência emocional de gente que só quer, mas não quer dar - ajuda a ofuscar tudo. Há camadas e camadas de coisas ruins atrapalhando a visão do que é bom, do que é belo. Difícil. Resta tentar viver de acordo com a história de Rubem Alves:

"Um homem caminhava por uma floresta. Estava escuro porque a noite se aproximava. De repente ele ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele ficou com muito medo e começou a correr. Mas ele não viu o caminho por onde ia porque estava escuro e caiu num precipício. No desespero da queda ele se agarrou ao galho de uma árvore que se projetava sobre o abismo. Lá em cima, na beirada do abismo, o leão. Lá em baixo, no fundo do abismo, as pedras. E foi então que, olhando para a parede do abismo ele viu que ali crescia uma planta verde que tinha um fruto vermelho: era um morango. Ele então estendeu o seu braço, colheu o morango e o comeu. Estava delicioso."

Inshallah!!!

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