Pesquisa do Palavrório

11.3.10

Os euscritores

Há escritores aos borbotões por aí, inclusive este que vos tecla. Sempre os houve, e sempre os haverá. Mas existe um fenômeno atual em que aparecem cada vez mais os "euscritores", isto é, os escritores que não conseguem falar de outra coisa a não ser do próprio umbigo e da relação de todo o resto do universo com ele.
É fácil reconhecer um euscritor. Em primeiro lugar, ele fala apenas de si próprio. Todos os seus textos têm obrigatoriamente algum pronome na primeira pessoa: eu, meu, minha, me, para mim. Eventualmente, há um nós, ou nosso, se o euscritor estiver comentando algo acontecido com ele e outra pessoa ou animal. Mas, mesmo nesses casos, o pronome coletivo serve apenas para situar o euscritor em primeiro lugar e a outra pessoa em qualquer outro lugar que não o principal.
Em segundo lugar, há um deslocamento no foco do texto para as opiniões sempre subjetivas do euscritor. Se ele estiver falando do terremoto do Chile, começará por ele mas falará do seu drama uma vez na Turquia quando a terra tremeu um pouco, e lasque-se o Chile. Se estiver falando de livros, falará do que aconteceu com ele no dia em que leu o livro. Se estiver falando de tecnologia, o ponto de partida é um dia em que acabou a luz na casa dele, o de como ele se sentiu desconectado do mundo e relaxado e de como ele manteve o computador desligado quando a luz voltou e se manteve bem. Ou ainda, pegará sempre uma idéia sua e a comparará com a de alguma pessoa famosa para dizer que a pessoa famosa pensa como ele, e não o contrário.
Por fim, os euscritores não conseguem se imaginar na pele de outra pessoa para escrever. Não há empatia com as pessoas que não são ele, não há relação. O mundo gira ao redor de seu umbigo, e apenas as suas opiniões são as válidas. Usando o vocabulário do cinema, todos os outros são coadjuvantes no filme em que a única estrela é ele.
Veja, não há problema algum em um escritor brincar de euscritor de vez em quando. No entanto, os grandes escritores, quando fazem isso, tomam cuidado de extrapolar o seu cotidiano para, a partir dele, elaborar ideias sobre o universo ou coisa que o valha. A sua experiência é base para um pensamento maior em que o leitor pode se identificar e reagir de alguma maneira.
O euscritor, pelo contrário, não provoca nem extrapola, apenas despeja o seu narcisismo no texto para tentar mostrar-se importante. E, ao fazer isso, aderem involuntariamente à grande mania mundial dos big brothers e coisas do gênero. Eles escancaram suas vidas nas páginas para uma patuléia sedente da vida dos outros, que não quer viver a própria por seja lá qual razão. Os euscritores são a versão high intelectual da baixaria dos reality shows. E, muito provavelmente, críticos dessa superexposição. Me errem, fubangos!!

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