Pesquisa do Palavrório

28.12.07

Movimento circular

Tem uma poesia do Drummond (se não me engano) em que ele fala da beleza que é a invenção do Ano Novo. Com ela, podemos ter uma chance de apagar todos os erros do passado, pensar no que fizemos durante um ano inteiro e no que faremos para não cometer os mesmos equívocos. O Ano Novo é época de renovação de um monte de coisa, mas principalmente de renovação e fortalecimento da esperança e da fé em dias melhores para nós mesmos.

O que talvez ele não tenha visto é que todo ano revivemos as mesmas angústias, inquietações, eventuais alegrias e tristezas inerentes à esta época. Até um certo ponto, os desejos são recorrentes: “trabalhar menos para ficar mais tempo com a família e os amigos, ser mais sincero com todos eles, me esforçar para ganhar mais dinheiro para poder gastar melhor (não esbanjar) etc...”

Percebi isso ao pegar-me no flagra, esta manhã, pedalando para o trabalho e pensando em como seria bom se o mundo parasse de funcionar de verdade nesta época. Que ninguém precisasse ir para o trabalho, mesmo porque há pouco trabalho a ser feito. Que os médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros e soldados tivessem uma semana de folga porque o mundo parou, inclusive as maldades. E lembrei que todo ano, invariavelmente, fico procurando soluções para que este sonho se torne realidade. Lá se vão uns 30 anos novos em que este sonho reaparece.

Será que a vida não passa deste movimento circular? Talvez agora entenda o italiano Alessandro Baricco, ou melhor, seu personagem Ultimo Parri, que tentava criar um circuito que representasse a sua vida, toda ela. Talvez seja isso mesmo, estamos condenados (no bom ou no mau sentido) a retornar sempre a um ponto determinado, para que possamos repensar o que fizemos e repartir, tentando consertar a trajetória feita, deixá-la mais harmônica, mais suave, mais elegante. Talvez.

Enquanto a dúvida persiste, não resta nada a fazer a não ser listar – de novo – os erros e acertos do ano que passou e tentar não repetir os erros e acertar mais no ano próximo. Quem viver, verá!

27.12.07

Época estranha

Esta época do ano é um período estranho. Ainda que todos digam que é uma época de festas, não se vê tanta gente contente pelas ruas. Não importa a classe social, estão todos meio pensativos, até um certo ponto encafifados com o que acontece ao redor.

As lojas gritam que é Natal, é motivo de festa, de alegria, de juntar-se com a família para celebrar o nascimento de Cristo ou, mais mundanamente, trocar presentes comprados à prestação. Já no Ano Novo todos devem parar alguns instantes para refletir como foi o ano que passou, fazer o balanço de erros e acertos e programar o próximo ano para que este seja, como todos os Anos Novos, um ano cheio de realizações e coisas boas.

Mas tem algo que não anda direito. A pressão do cotidiano é muito forte para ser sublimada por toda essa pressão pela felicidade coletiva universal. Lá no fundo (ou não tão fundo assim) sabemos que nada mudará com a passagem do ano; que não importa quantos presentes recebamos, a felicidade depende de outras coisas que não um grande e caro presente de Natal; que a família deve estar unida o ano inteiro, e que as desuniões aparecem claras e latentes na noite de Natal, ainda que se faça força para que elas não existam pelo menos naquele momento.

O descompasso entre o que sentimos e o que vemos existe, em alguns casos é grande, enorme. Quem não tem família está deprimido por estar sozinho. Quem não tem dinheiro fica deprimido por não poder dar ou ter uma festa bacana. Quem tem ambos fica triste pois sabe que a vida não é só esta semana. Parece um mal estar generalizado que toma conta da humanidade e que é abafado com “qualquer droga que nos dê alegria”, como disse o Cazuza.

Sentimentos ambíguos, que só se desfazem quando chego em casa e recebo o abraço apertado de meus filhos que, ainda distantes de todas estas preocupações, pegam seus brinquedos de Natal e inventam mundos de príncipes e princesas, de dragões e alienígenas, onde o bem sempre vence o mal. Oxalá!!