Perdeu. Perdi. Perdemos. Já não sei qual é o meme correto, mas é essa a sensação. Perdeu o Brasil. Perdi a oportunidade. Perdemos todos. Somos mais uma geração perdida, de mais uma década perdida, de mais uma quantidade enorme de esforço para tentar melhorar e não conseguir e voltarmos às soluções mais populistas e rastaqueras que podem existir.
Onde foi que erramos? Acordei de manhã tentando ver em qual ponto do caminho, desde 1970, eu pude fazer algo diferente e não fiz. Sim, essa é a praga (ou benção) de quem faz análise, assumir a culpa pelos próprios erros, não ficar responsabilizando o sistema ou os outros pelas desgraças que lhe acometem. Onde foi que erramos? Onde foi que errei?
Obviamente, não há uma resposta única. Pois quando eu começo a tomar consciência, estávamos terminando a ditadura. A inflação começava a galopar, resultado da utopia do Brasil gigante promovida pelos militares. Figueiredo sai de cena de maneira melancólica ("Me esqueçam!") e entra o Sarney, um oportunista que sempre esteve ao lado dos militares e aos 44 do segundo tempo troca de time. Sem a menor condição de governar (sinto-me inclinado a dizer sem capacidade, pois é o que a história mostra), ele comete um erro econômico atrás do outro. Ontem, diante de algumas prateleiras vazias no supermercado, lembrei da comédia sem graça dos fiscais do Sarney. Inocentes úteis que esbravejavam contra os empresários do setor de alimentação. Ora, como culpar alguém que não quer trabalhar para não levar prejuízo? O último ano do Sarney, para quem lembra, foi melancólico. Contávamos os dias para as eleições, para ver se algo mudaria, pois ninguém acreditava no País.
Aí cometemos o Collor. Cometemos no plural, toda eleição é um processo coletivo, e não podemos lavar as mãos depois como fizeram alguns idiotas ao dizer "a culpa não é minha, votei no Aécio". E o Collor veio com o confisco, um roubo escancarado à luz do dia. Algumas pessoas se mataram. Quem pode saiu do país. Alguns enriqueceram muito pois foram avisados do que viria. E mesmo assim sobrevivemos. Não sei bem como, mas o Brasil conseguiu sair melhor do Plano Collor. E acreditamos que se o Collor deixasse a presidência, as coisas melhorariam. De fato, melhoraram um pouco. Mas nós achamos que bastava ir à rua, não quisemos meter a mão na massa, ou seja, entrar no processo político para tentar mudar as coisas por dentro, mudar o sistema político.
E veio o Plano Real e o FHC. O Plano Real sozinho é o maior responsável por reduzir a desigualdade social. Mas o FHC preferiu ficar no populismo, de novo, em vez de atacar os problemas reais do Brasil. Teve a chance que queria de fazer uma reforma da previdência, mas não conseguiu (e não adianta meter a culpa no Kandir, que diz que votou errado no Congresso). Não propôs reforma tributária, nem fiscal nem nada. Achou que bastava uma moeda estável. Ajudou a lotear estatais, sucateou escolas e universidades (logo ele, um professor) e, algo que talvez não tenha sido analisado pelos historiadores, contribuiu para que as direções dos partidos políticos tomassem decisões sem consultar suas bases. Quem ainda pensava em entrar na política desistia, pois tinha a certeza de que não seria ouvido se não fosse apadrinhado por alguém importante.
Por essas e outras que o Lula sucedeu o FHC, e não o Serra. Noves fora a falta de carisma, todos estavam cansados do velho. Mas o Lula revelou-se tão velho quanto Matusalém. E com uma conjuntura internacional altamente favorável, conseguiu não fazer nada para reformar o Brasil. Toda a sua política assistencialista, um bom pedaço dela necessária, estava financiada pelos superávits de ocasião. Ele poderia ter aproveitado a bonança para fazer uma reforma fiscal, uma tributária, uma da previdência, enfim, ele poderia fazer o que quisesse, tinha 80% dos votos no Congresso, aprovação de mais de 70% da população. E o que fez? Distribuiu benesses para os amigos da corte, demonizou as elites, e ficou nessa de inflamar uma torcida contra a outra. Ou seja, não governou, fez barulho apenas. E quem era moderado não quis entrar no debate político para não ser hostilizado. Ficamos de fora de novo, perdemos a chance de tentar influenciar a política para que ela trabalhasse pela sociedade.
A Dilma e a catástrofe econômica dela são resultado direto da megalomania econômica do Lula. Uma senhora que não conseguiu administrar uma loja de R$ 1,99 iria conseguir administrar um país? Obviamente que não. As pessoas eram as mesmas, e os ventos internacionais já não eram mais favoráveis. E quando os ventos são revoltos, só os bons marinheiros seguem adiante. Não era o caso. Mas ela continuava insuflando o Fla-Flu político. Os moderados não tinham voz. Os sensatos não tinham voz. E dá-lhe criar estatais para dar mais cargos a inúteis. Hemobras, Petrosal, uma para cuidar de estradas (não basta o DNIT), Valec, vamos que vamos, é o grande estado para conduzir o povo rumo à glória. Que bosta. O que nós fizemos? Fomos reclamar da passagem de ônibus. Mas fomos reclamar como sempre fizemos: que o governo subsidie algo, não que a gente trabalhe para um país mais justo. É sempre assim, queremos a Mãe Estado nos suprindo, sem trabalhar.
O Temer é uma piada de mau gosto. Independente de como assumiu o poder, o governo dele terminou quando ficou escancarado que ele era conivente com o Eduardo Cunha (a desconfiança era grande, as gravações do Joesley só deram certeza). E que o Eduardo Cunha, Temer e toda a curriola da cúpula do PMDB estava nos roubando desde o primeiro governo Lula, e que viram no impeachment uma oportunidade de roubar sozinhos, sem a participação do PT. Muitos apoiaram a queda da Dilma, pois muito provavelmente com ela estaríamos hoje a um passo da Venezuela. Mas teremos que aguentar o Sarney dois, mais sete meses sem governo, até 1º de janeiro de 2019.
Perdeu. Perdi. Perdemos. Cada nova notícia deixa a gente mais para baixo. Como manter a esperança e transmitir algum otimismo para os filhos? Como chegar no trabalho e dizer aos funcionários que os salários serão pagos em dia, se não conseguimos vender nada na semana que passou pois não tínhamos como entregar? Como argumentar com os sócios que os onipotentes fiscais da atividade ora julgam de uma maneira, ora de outra? Será que ainda dá tempo de mudar alguma coisa? Ou será melhor mudar-se, deixar o país nas mãos dos bandidos e eles que se matem aos poucos? Não sei. Perdi. Perdeu. Perdemos.