Pesquisa do Palavrório

26.1.17

Estado injusto

O cidadão brasileiro que precisa de serviços públicos está ferrado. E é por essa única razão que o Estado brasileiro aqui deveria ser mínimo ou quase inexistente. Não posso concordar com a afirmação de que o estado serve para distribuir renda, que os impostos que se cobram são para serem compartilhados entre todos, pobres e ricos, que se não fosse o agente fiscal a concentração de renda seria ainda maior, blá-blá-blá. Na teoria pode até ser verdade, mas na prática não funciona assim.
Pegue o caso de um contribuinte que precisa de um serviço da Receita Federal. Como o site da Receita é mal feito, conseguir qualquer informação lá, no emaranhado de siglas que existem, é por si só uma epopeia. Se ele conseguir superar essa fase, existe a possibilidade de se poupar algum tempo e agendar o atendimento em uma delegacia da Receita. Mas isso só é possível para quem tem um mínimo de escolaridade, pois é realmente difícil se orientar pelo site.
O que a maioria das pessoas fazem? Vão para a Receita na madrugada e enfrentam fila desde as cinco da manhã para terem a chance de serem atendidos. CINCO da manhã! As portas se abrem às 7h. Ali o cidadão perdeu duas horas. Quem não enfrenta fila? Quem teve boa escola ou quem pode contratar um despachante para não perder tempo, só dinheiro. Assim, o cidadão que preferiria estar trabalhando perde seu tempo na fila da Receita, e ganha menos. E o cara que já tem dinheiro continuará fazendo mais dinheiro.
Isso serve para a Receita, para os Detrans, pra qualquer órgão que emita certidões que poderiam facilmente ser disponibilizadas online. Algumas até são, mas não oferecemos educação para que as pessoas tirem proveito dessa facilidade. E assim, perpetuamos as injustiças, em vez de trabalhar para diminuí-las. Menos Estado significará mais tempo do cidadão para si, o que não é pouco.

18.1.17

Nostalgia

Quanto mais duro o presente, maior a nostalgia de quando éramos crianças. Pouco importa que a infância não tenha sido lá um idílio. Afinal, quem tem realmente liberdade até uns 10 anos de vida? Não valer dizer que podia sair para brincar na rua, isso não é liberdade, é apenas aproveitar a segurança que havia nas ruas. Na prática, só íamos brincar na rua se nossos pais deixassem. Aliás, só podíamos fazer qualquer coisa se nos deixassem. Tudo era controlado, tudo era imposto, não tínhamos opinião nem voto, mas recebíamos os vetos.
Também eram depositadas sobre nós todas as expectativas de nossos pais. Seríamos o projeto de redenção deles, tudo o que não tivesse dado certo a eles, agora nós realizaríamos para satisfazer o sonho deles. E como demora para conseguir começar a viver e buscar o próprio sonho! Romper com os pais é libertador e ameaçador ao mesmo tempo, por isso é tão difícil. Mas quando se consegue, parece que a trilha no meio do mato vira uma autoestrada. E não é o caso de brigar com os pais, mas simplesmente aceitar que eles e você têm pensamentos, ideias, sentimentos e vontades diferentes, que elas podem conviver tranquilamente e que está tudo bem. De novo, é difícil, mas é possível.
Por isso não entendo muito uma necessidade quase atávica de muita gente em lembrar da infância como a melhor época de suas vidas. Sigo o desenhista do Calvin e Haroldo, Bill Watterson, que diz que quem acha isso tem sérios problemas de memória. Também sigo a ideia do poeta Fabrício Carpinejar, que disse que recria a sua infância todo dia, sempre para melhor. A infância não foi fácil para ninguém, mas preferimos esquecer todas as dificuldades e lembrar só daqueles momentos (e que são poucos) em que estávamos na casa de um colega jogando bola, ou na festa de aniversário de alguém que alugou uma cama elástica, ou ainda de algum presente bacana que ganhamos de Natal. Lembramos cenas curtas de um longa metragem de uns 10 anos, pelo menos.
Tudo bem lembrar-se da infância, desde que não a queiramos revivê-la. Hoje acho que está melhor que ontem, mesmo com toda a dureza da realidade.