Pesquisa do Palavrório

29.7.13

A realidade dói

Em algum momento de nossas vidas percebemos que temos mais responsabilidades e deveres que direitos. Não sei exatamente quando isso acontece, mas fatalmente acontece. Talvez isso esteja acontecendo tarde demais para todos nós. Sem querer repetir o que a Eliane Brum já escreveu de maneira definitiva ("Meu filho, você não merece nada", em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html), quando a experiência acontece com você ela dói mais.

Dói quando você percebe que você lutava por muitos direitos, mas parecia pouco inclinado a aceitar seus deveres. E, aos 20 e passa anos, ainda achava que merecia muita coisas, mas tinha feito muito pouco para realmente conquistá-las. Dói ver a retrospectiva da vida e perceber que você era um bosta como todos aqueles filhinhos de papai que você criticava, quando na verdade era apenas mais um, somente sem as roupas de grife.

Dói quando você vê seus filhos, que você tinha certeza que estava educando direito, começar a reclamar de não ter tardes durante a semana livres. E não adianta falar sobre a quantidade de jovens que não têm escola, que estão ralando durante o dia para fazer um curso noturno em escola pública de péssima qualidade e que não terão futuro. Não adianta falar que sem esforço não se consegue nada. Não adianta comparar, mostrar e provar. A certeza do adolescente é inabalável e não há argumento que o faça demover da ideia.

Dói perceber que somos mal agradecidos pelo conforto que temos, pela comida que colocamos sobre a mesa, pelo tempo livre para o cérebro pensar em vez de sermos apenas autômatos que trabalham para pagar contas. Dói perceber que continuamos não merecendo muita coisa, e que isso está se perpetuando.

Como fazer para passar a dor? Acordar é já um começo, trabalhar com afinco também, mas fora isso, não sei exatamente o que fazer. Ficarei com a dor e a dúvida, por enquanto.

22.7.13

Aceitação

Não me gosto. Olho-me ao espelho e o que vejo não me agrada. Tenho pelo menos dez centímetros a menos do que deveria ter. Saí baixo demais, e não há exercício que faça-me subir às alturas.
E como sou baixo, sou meio gordinho. Olho para a pança logo acima da linha da cintura e também não gosto do que vejo. Uma barriga saliente e persistente. Seis meses de abdominais e exercícios só fizeram firmá-la, mas não desapareceram com ela. E lá ela permanece.
Os cabelos são ruins também. Fracos, finos e esparsos. Pelo menos, são igualmente esparsos pelo couro cabeludo. Meu barbeiro diz que eu tenho poucos cabelos regularmente espalhados, o que dá a impressão de que a calvície ainda demora. Mas são poucos, e são finos. Já sonhei várias vezes com uma cabeleira, mas ela nunca foi nem será possível.
E olho-me ao espelho forçando um pouco a vista, pois ela já anda se cansando de tanto ver. De noite os óculos são obrigatórios. De dia, eventualmente, também. Mas de longe já está tudo embançando, de volta. Até os 23 anos de idade, eram 6,75 graus de miopia. Uma cirurgia os levou para o nunca, mas a idade estão fazendo eles voltarem devagar e sempre. Ruim, ruim.
Também não gosto dos meus joelhos, fracos demais para as corridas, caminhadas e escaladas que quero fazer. Meu condicionamento físico não ajuda, minhas pernas curtas não me fazem saltar mais alto ou mais longe, muito menos rápido (ou seja, o ideal olímpico do Citius, Altius, Fortius) não funcionará jamais.
Melhor não falar das partes íntimas, por decoro. Deixa pra lá, pode virar motivo de gozação exagerada, quase um bullying. Então, silêncio sobre as partes pudendas.
Mas é o que tem pra hoje e o que terá pra amanhã até o fim. Não há muito o que fazer para mudar o quadro. Pode ser que dê para perder a barriga, alongar as pernas para correr um pouco mais e melhor, fortalecer os músculos para ajudar o joelho, ler o Kama Sutra e tentar cada uma das posições para criar um repertório pelo menos divertido e atraente, enfim, coisas do gênero. Mas o grosso ficará como está. O jeito é fazer desse limão uma grande limonada.

18.7.13

Futilidade

Perdemos a maior parte do tempo pensando, fazendo e querendo futilidades. As redes sociais servem como vitrine para a nossa completa e total dedicação ao fútil. Nas redes sociais estamos sempre bem, mostrando sorrisos, chamando os outros de lindo, maravilhoso a qualquer nova foto, mostramos o que comemos, onde comemos, o que compramos, enfim, só futilidades.
Não há muito espaço para que é realmente importante. Deixamos de lado a necessidade de progredir, de lutar e trabalhar para melhorar, para ficar mostrando os arremedos de satisfação que temos em nossa vida contemporânea. Um ou outro consegue fugir da mesmice, ao falar das alegrias de se ter filhos, de trabalhos que deixam esse mundo melhor. Mas são poucos em um oceano de palavras vazias e gestos sem sentido.
Não que a rede social tenha mudado algo nas pessoas. Já eramos assim antes. A diferença é que antigamente isso se compartilhava apenas com os vizinhos e conhecidos. Os amigos ainda estavam lá para saber de você o seu melhor e o seu pior, e mesmo assim continuar lá, do seu lado. Às vezes até eles nos davam umas broncas morais de que não gostávamos. Mas como eles tinham razão, escutávamos. Hoje, na rede, ninguém critica ninguém. Sua crítica soara como bullying, como inveja, como qualquer outra coisa ruim, em vez de ser o que é.
Em quantos perfis você não tem vontade de dizer: meu, se liga e vai trabalhar!! Ou então: para de frescura e mexa-se!! No mínimo, em 80% dos perfis de gente que fica reclamando da vida em público. E em 99% dos que colocam foto de comida ou de lojas ou de produtos. Mas esse é o paradigma da atualidade: somos felizes se temos, se compramos, se consumimos. Somos felizes se mostramos tudo o que temos para muitos. Essa é a droga da modernidade, expor-se ao máximo em busca de pílulas de satisfação que nunca encherão a nossa pança espiritual.
Tristes tempos.

17.7.13

Olhar esmaecido

Houve uma época em que era mais fácil andar pelas ruas e detectar o que não estava exatamente de acordo com o figurino geral. Uma pessoa vestida com uma roupa meio esquisita, um orelhão que parecia cair, uma árvore com algum galho quebrado mas ainda ligado ao tronco, enfim, todos aqueles pequenos detalhes que, mesmo não sendo importantes, são parte de nossa vida.
Mas o olhar foi ficando cansado e pouco atento aos detalhes. As necessidades do dia-a-dia vão tornando a vista opaca e direcionada. É como se fossem colocadas em nós aquelas viseiras de cavalos, para impedir que o que está ao redor os distraia, junto com um óculos meio riscado à frente. Não vemos o que está ao redor, temos que estar focados (essa maldita palavra do universo corporativo) em objetivos, resultados, obrigações, convenções, vitórias e afins.
O olhar não pode digredir, não pode viajar, não pode sair do chão acompanhando um sabiá que sobe até o galho mais baixo da araucária para encontrar outro sábia. Não temos tempo para isso, não conseguimos mais ver isso e achar isso legal. A vida torna o olhar utilitário. Veja se há saldo na conta bancária. Veja se o orçamento do conserto do carro já chegou. Veja se há café na dispensa. Veja algo que serve para alguma coisa, não se distraia!!
Com o olhar esmaecido, fica difícil ser poeta, ser escritor, ser artista, músico ou escultor. Todos já conhecem as dificuldades da vida de cor e salteado, mas esperam que o artista tenha esse olhar frouxo, no ótimo sentido, para que ele lhes traga um pouco mais de sentido. Afinal, a vida não pode ser esse nascer - crescer - envelhecer (ou adoecer) - morrer. Tem que ter algo mais!! Para isso temos artistas, para dizer que algo mais é esse.
A violência ao redor - violência física de crimes bárbaros e estúpidos, violência econômica de busca do lucro a qualquer preço, violência política de pessoas que cagam para seus semelhantes, violência filosófica de gente que não aceita o contraditório, violência emocional de gente que só quer, mas não quer dar - ajuda a ofuscar tudo. Há camadas e camadas de coisas ruins atrapalhando a visão do que é bom, do que é belo. Difícil. Resta tentar viver de acordo com a história de Rubem Alves:

"Um homem caminhava por uma floresta. Estava escuro porque a noite se aproximava. De repente ele ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele ficou com muito medo e começou a correr. Mas ele não viu o caminho por onde ia porque estava escuro e caiu num precipício. No desespero da queda ele se agarrou ao galho de uma árvore que se projetava sobre o abismo. Lá em cima, na beirada do abismo, o leão. Lá em baixo, no fundo do abismo, as pedras. E foi então que, olhando para a parede do abismo ele viu que ali crescia uma planta verde que tinha um fruto vermelho: era um morango. Ele então estendeu o seu braço, colheu o morango e o comeu. Estava delicioso."

Inshallah!!!