Pesquisa do Palavrório

6.3.13

Não dá

Não dá. Agora, nesse momento, não dá para parar. A mochila está no armário, chamando, implorando, quase se ajoelhando para ir para as costas, recheada com algumas roupas, uns dois livros para ir trocando ao longo do caminho, saco de dormir e barraca para um pouso inesperado caso não se encontre um albergue, e voltar a rodar o mundo. Mas não dá, agora não.
Não dá para achar que basta dar as costas para o mundo e ir andando na direção do nariz para ver os problemas resolvidos como que por mágica. Eles não se resolverão assim, com um estalar de dedos ou o balançar de uma varinha. Todo problema que existe sai em viagem junto com quem viaja. Os problemas são a primeira bagagem de qualquer mochila, antes mesmo de sair do armário ela já está cheia deles. Eles pesam, e só conseguimos nos livrar deles resolvendo-os. Se não, estão com você sempre.
Não dá para ficar sentado, tampouco, esperando tudo passar. Essa tática talvez funcione com o avestruz. Mas desconfio que não. Ele só enfia a cabeça no buraco para não ver o que está acontecendo, não para fugir. Desconfio que o avestruz tem alguma noção do tamanho da sua buzanfa e que, ao enfiar a cabeça na terra, é apenas para tentar esquecer a leoa que vai logo devorá-lo. O destino está traçado ali, mas ele prefere não ver. Resolveu o problema? Nem.
Não dá também para achar que a solução é simples. Precisa trabalhar, trabalhar muito, falar a verdade e arriscar. Tem que arriscar, do contrário piora. O Tiririca quase criou uma lei, estilo Lei de Murphy: "Pior que tá, não fica". Mas Murphy é mais implacável, ao dizer que se algo pode dar errado, dará. E a coisa piorou, seu Tiririca, piorou. Vamos trabalhar mais, então.
E fica o dilema existencial. Uma vez um espírito falou para mim que meu futuro tinha a ver com a pena, que eu faria boas coisas para meus próximos através da pena. Ainda escuto isso. Mas por que cada decisão que tomo me afasta da pena? Por que me deixo levar pelo cotidiano comezinho em vez de arriscar um pouco mais para fazer valer essa pena? Não sei. Se fosse possível existir um avestruz existencialista, que mergulha a cabeça dentro da alma, para ver o que está escondido debaixo da pele, eu o chamaria. Preciso descobrir o que está rolando e que eu ainda não percebo. Mas agora, nesse momento, também não dá para ser existencialista. O mundo prático clama por minha presença, e é necessário pagar as contas. Pragmatismo, então, e vamos nessa.