Pesquisa do Palavrório

30.1.13

Vida besta

Acordar. Fazer café. Acordar os filhos. Comer. Levá-los à escola. Fazer ginástica. Trabalhar. Pegar os filhos na escola. Almoçar. Voltar ao trabalho. Voltar pra casa. Trabalhar em casa. Dormir.
No dia seguinte, tudo igual. No fim de semana, sem escola, mas com outras coisas, um pouco mais prazeirosas.
No fim do mês, receber e pagar as contas. O que sobrar, guardar para fazer algo ou pagar contas mais altas depois.
Envelhecer e esperar uma morte súbita, não dolorosa nem agoniante nem demorada, para fazer os outros sofrerem tudo de uma vez só, e não um pouco a cada dia durante anos.
Meio besta essa nossa vida, não?

22.1.13

Corretor de erros

Um dos poemas mais famosos do Borges, que na real não é dele, começa mais ou menos assim: " Se eu pudesse começar tudo de novo, viveria mais leve" e por aí vai, em uma arenga de como levar uma vida menos pesada. Faz sentido, mas creio que gostaríamos de voltar no tempo para apagar alguns erros, e não para viver mais leve.
Cada um carrega uma carga enorme de erros, alguns grandes, enormes, muitos pequenos, e se pudéssemos ter um corretor de erros do passado disponível, aí sim tudo seria melhor.
Um corretor que pudesse nos mandar ao passado para, naquele momento em que você está falando umas palavras mais ásperas para alguém querido, te fizesse ficar quieto. Um corretor que fizesse você falar o que pensava sobre um projeto da empresa, em vez de ter ficado calado e anuido como um bezerro de presépio. Algum mecanismo que fizesse você não beber aquela terceira cerveja e convidasse a guria que não tirava os olhos de você, em vez de tomar mais uma para dar coragem e perder o timing totalmente (além de perder o prumo, claro).
Há algumas lembranças que insistem em sobreviver. Em alguns momentos, aquela enorme cagada que você fez volta com uma força que te crispa o rosto, dá um pequeno nó na barriga, e você pensa: "putz, que cagada aquela!" Mas não dá para voltar, ela está feita e morrerá com você. Tem outras que, felizmente, servem como um alerta para os momentos atuais. Você sabe o que acontece após a terceira cerveja, logo, não chegue a ela. Você sabe quanto custa calar ou falar, dependendo da ocasião. Escolha sabiamente.
Claro que somos a soma de nossos erros e acertos e, se tivéssemos errado ou acertado diversamente, seríamos outra pessoa. Mas será que aqueles pequenos errinhos (a terceira cerveja, a palavra grosseira, a mudez na reunião) afetariam-nos tanto assim? Será que não estaríamos mais leves, como diz o poema brega do suposto Borges?

9.1.13

Efemeridades

Nada dura pra sempre, nada é eterno. As montanhas sucumbirão à força dos ventos e das chuvas e um dia serão planícies, planaltos, qualquer coisa menos montanhas. Pode demorar, mas cairão.
O Himalaia um dia será um monte de areia em um lugar meio frio. O Aconcágua já não tem mais neves eternas, e parece um lugar com muito pó e pedra e mais nada. O Pico Marumbi teve que ser interditado para acampamentos pois estava assoreando. Tudo sucumbirá.
O Grand Canyon parece eterno, mas antes ele não existia, e talvez um dia o rio que passa por ele possa cavar ainda mais a terra até um ponto em que as paredes não aguentaram e cairão uma sobre as outras, soterrando tudo. Quem sabe?
Dizem que os diamantes são eternos, mas quando a Terra acabar - e isso é certeza, um dia ela acaba, junto ou pouco antes que o nosso Sol, que também acabará - os diamantes também acabarão.
E tudo o que é construído pelo homem acaba, muito mais cedo do que queremos.
As pirâmides parecem eternas, mas só sobraram umas poucas, parece que construíram muitas mais e algumas já se foram. Essas que estão aí um dia irão também. Mas já são ruínas. Toda construção, por melhor conservada que esteja, já é uma ruína, algumas exercem seu potencial mais cedo, outras demoram, mas todas despencarão um dia.
Nossa sociedade constrói a maior parte de suas coisas para não durar. Já não se fazem mais carros para durar 20 anos. Relógios não devem durar mais que cinco. Computadores, um ano quando muito. Para celulares já devemos estar em uma vida útil de seis meses, e olhe lá! Roupas são descartáveis, eletrônicos, eletrodomésticos, tudo é feito para durar um ano, dois, e fim, quebra-se e troca-se.
Casamentos não duram mais, namoros menos ainda. Colocamos demais importância nessa saída à nossa solidão para tentar esquecer que no fundo, no fundo, somos sozinhos nesse mundo. Todo homem é uma ilha, e não venham com Drummond para dizer que se constroem pontes. Não se fazem, no máximo, estabelecem-se sinais de fumaça para tentar se falar com uma ilha vizinha, e funciona enquanto há lenha. Depois, fim. Não construímos relações para durar. Algumas duram até a morte, outras acabam bem antes. Mas todas acabam.
Talvez nossos espíritos sejam eternos. Talvez. É algo que pretendo descobrir depois de morrer. Mas já que tudo acaba, espero acabar bem tarde, ainda tenho muita coisa a fazer...