Pesquisa do Palavrório

16.12.11

Tempus fugit

Recebo a notícia de que querem tirar o Mercato di San Lorenzo do lugar
onde ele está há uns seiscentos anos, pelo menos. Diz o prefeito de
Florença que é para dar uma melhorada na praça, valorizar a bela
Chiesa di San Lorenzo, que tem sua fachada inacabada pouco vista por
conta das barracas dos camelôs que ali trabalham.
É uma pena. Ainda ontem eu trabalhei nesse mercado, aprendi a ser
gente de verdade ali, longe da barra da saia da mãe, contando apenas
comigo e com poucos e bons amigos para dizerem que eu era um cara
bacana. Foi ontem, 20 anos atrás.
Aí me pego pensando no que eu fiz nesses 20 anos, que passaram rápido
demais, e me vem um monte de perguntas. Será que fiz as escolhas
certas? Por que estou aqui, agora, fazendo isso que faço? Eu poderia
ter percorrido outro caminho, que me levasse a outra profissão, outra
cidade, outro país, sei lá, uma outra vida, no fim das contas? E,
claro, a pior pergunta de todas: eu estou satisfeito com as escolhas
que fiz?
Deve ser essa a tal da crise dos 40, quando a cabeça ainda lembra com
bastante frescor o que aconteceu quando você tinha 20 mas já há uma
pusta consciência de que você já dobrou o Cabo da Boa Esperança e
agora seu corpo e sua mente só tendem a piorar, a fraquejar, a falhar
com mais frequência. A idade chegou, é isso. E se os próximos 20 anos
forem tão rápidos quanto os 20 precedentes, não será fácil aguentar a
barra. Aguentaremos, pois é o que nos resta, mas vai ser f...
Tomara que não mudem o Mercado de lugar para eu pelo menos poder
voltar fisicamente a uma bela época da vida. Não será possível
revivê-la, mas relembrar já será muito bom.

15.12.11

Culhões

Terminei meu texto do Rascunho da próxima edição. Como é um artigo
grande, pude copiar um trecho do livro para mandar. Tive uma sensação
estranha, como se eu tivesse invadido a cabeça do escritor para
produzir aquele trecho. Encantei-me com sua precisão, com sua clareza,
com seu estilo. Elogiei-o e pensei: "por que não consigo escrever bem
assim?"
Eu sei porque: faltam-me culhões!!

13.12.11

Mais um passo na direção da cova

Essa era a frase que um ex-chefe meu usava para encerrar o dia de
trabalho: "mais um passo na direção da cova". Nada otimista, mas nada
tão realista quanto essa frase. Afinal, a vida é uma doença sem cura,
inevitavelmente leva à morte todos nós. Por isso, cada dia é mais um
na direção da cova, do grande Kabloie, como disse o Calvin (do
Haroldo).
A grande questão é: o que fazer com todos esses dias que temos antes
de irmos pro lado de lá? Sim, evoluir, ajudar o próximo, progredir,
cuidar da família, trabalhar, estudar etc... O problema é quando tudo
isso deixa de fazer sentido, quando os esforços para resolver os
problemas são inúteis e, mesmo quando se resolve um problema, aparecem
outros cinco para destrinchar. E o pior: são problemas que não foram
gerados por nós. Ou seja, estamos limpando a sujeira alheia porque, de
alguma maneira, ela caiu em nosso colo.
Deve ser por isso que damos tanta importância ao ano novo. Pode ser a
chance de deixar tudo o que é de ruim para trás para tentarmos começar
algo com o pé direito. Tomara que o primeiro passo não seja direto
para a cova.

12.12.11

Uma frase

Dia após dia aparecem frases geniais na minha cabeça. Claro, elas não aparecem do nada, são uma construção de uma série de pensamentos em cadeia, normalmente desencontrados, mas que para mim possuem uma lógica insofismável. Assim, começar a pensar nas tarefas do dia leva às pretensões profissionais, que leva a um repensar as escolhas feitas anteriormente, que leva a cogitar nas possibilidades do que teria acontecido se a resposta a determinadas questões fossem outras, que levam a uma viagem que não tem fim e tampouco sentido prático. Do meio dessa confusão, sai uma frase genial.
Daí eu fico burilando essa frase, lapidando-a, para que ela possua algum sentido a mais do que aparentemente tem. Isso porque quero escrever algo que faça mais sentido, para mim e para alguém que eventualmente aparecer nesse blog. Pois tenho o desejo de escrever coisas que me façam pensar ou que sejam um resultado de meus pensamentos, em que eu me coloco no papel (virtual) e, uma vez colocado o ponto final, eu esteja transformado para melhor. Quero que essa frase genial signifique uma mutação em mim.
E são sempre frases geniais, diria até definitivas. Se eu fosse um cara popular, com certeza seriam frases que estariam na minha lista de aforismos, publicada postumamente. Coisas como "penso, logo existo", "deus não joga dados", "a única coisa que sei é que nada sei", e por aí vai. Acredite, são frases geniais, sínteses de longas cadeias de raciocínio intricado e labiríntico, como a nossa vida, mas que resumem quase tudo.
O problema é que venho me esquecendo com frequência dessas sínteses, e tudo permanece confuso, sem nenhuma frase genial para adoçar o dia. M...

5.12.11

Natal bissexto

Tenho uma proposta: vamos transferir o Natal para 29 de fevereiro? Estou absolutamente convencido de que seria ótimo para todo mundo, exceto para quem lucra com uma festa que deveria ser de cunho intimista, que levasse as pessoas à reflexão.
Há uma razão básica para se transferir o Natal para 29 de fevereiro. Do jeito que é hoje, ele só provoca estresse nas pessoas. Não há um conhecido que não reclame da correria de fim de ano: festas de confraternização profissionais, compromissos familiares, encerramentos aqui e ali e tudo coroado com a inevitável caçada por presentes e lembranças que são obrigatórios em todos os compromissos. As pessoas já reclamam das festas, mas do que elas não gostam mesmo é das compras natalinas.
As pessoas também não gostam da comercialização do Natal. Não há mais o tal do espírito natalino, tudo o que restou foi a troca de presentes, que a cada ano devem ser mais sofisticados, caros etc. A festa familiar (tudo bem, já não há mais famílias como havia antigamente...) sobrevive em um ou outro lugar, mas apenas para quem tem crianças pequenas. A galera entre 15 anos e além que gosta de balada sempre tem alguma para ir após a meia-noite. É tiro certo: assim que batem as 12h no relógio, eles se levantam da mesa, eventualmente pedem licença e vão pra gandaia.
Ou seja, não há mais o que comemorar. Logo, vamos transferir para o dia 29 de fevereiro. Se o Natal acontecesse a cada quatro anos, ele voltaria a ser valorizado. Todo o estresse de compras natalinas sumiria, afinal, há mais tempo para se pensar nas compras entre 1º de janeiro e 29 de fevereiro, aproveitaria-se as férias de cada um para isso e os presentes poderiam ser melhores, mas significativos para as pessoas. O dia 29 também poderia ser declarado o dia fora do tempo, como aqueles malucos que querem um novo calendário propõe, e seria feriado. Mas só quando acontece, ou seja, teríamos um dia a mais de trabalho no ano (o que é bom, já tem muito feriado).
Por fim, não há problemas quanto à mudança de data. Os cristãos escolheram o dia 25 por ser próximo do solstício de inverno. Mas eles eram europeus, no hemisfério sul é o solstício de verão. Como ninguém sabe que dia mesmo nasceu o Cristo (e também não sabem que dia morreu, visto que a Páscoa é uma data flutuante), por que não dizer que nasceu no dia 29? O fato de acontecer a cada quatro anos com certeza aumentaria o misticismo e a euforia em torno da coisa. Mal comparando, é como Copa do Mundo de futebol e de vôlei. Enquanto essa, que é anual, não tem praticamente nenhum appeal, a outra movimenta zilhões de dinheiros. Quem está mais certo?
Está lançada a campanha. Só falta agora um esotérico/astrólogo/numerólogo que invente uma justificativa arcana para a mudança na data de nascimento do Cristo para nós ocidentais. Sim, porque os católicos ortodoxos comemoram o Natal no dia 07 de janeiro, ou seja, a data é pura convenção.