Pesquisa do Palavrório

19.5.09

Tem algo errado

Existe algo de errado com o jovem de hoje, e isso não é conversa de um quase senhor de quase 40 anos de idade. Percebi isso assistindo às apresentações das agências de propaganda que concorrem à conta de publicidade do POP e do Vono, empresas que pertencem à empresa onde trabalho, a GVT.
Todos foram unânimes em dizer que o jovem de hoje adora, ama, não vive sem estar presente em todas as redes sociais que existem: Orkut, Facebook, MySpace, Sonico, Hi5, Twitter, este blogger, etc e tal. Em todas, eles adoram contar o que estão fazendo, quais são suas preferências, seus hobbies, onde vão, com quem ficam, com quem deixam de ficar. Em todas elas, vão deixando mensagens achando que estão conversando com outras pessoas, estabelecendo ligações (talvez até estejam, mas acho difícil imaginar como).
Minha estupefação é: por que tanta vontade de aparecer? Uma das publicitárias que passou pela concorrência disse que todas essas ferramentas permitem ao jovem driblar a sua timidez e, quando ele se encontra com uma outra pessoa no mundo real, essa pessoa já a conhece um pouco, pois viu sobre ele em algum site. Eu não acho que seja isso. Acho que tem um muito de proteção e projeção de um eu superior ao eu verdadeiro, pois a internet aceita tudo, dificilmente aparece alguém para checar se o que dizes é verdadeiro.
Eu tenho muitas dúvidas também se os jovens se comunicam mais e se estabelecem laços de verdade com outras pessoas. Tem um monte de gente que afirma conhecer pessoas que começaram a namorar na Internet. Pode até ser verdade, mas acho que a maior parte tem o que o Zygmunt Baumann chama de amores líquidos. Os laços são fracos, se eu não gosto do que falam de mim eu tiro ele do meu Orkut, deleto da minha lista de RSS, bloqueio no celular, mas não digo nunca a ele que não gostei do que ele disse.
Para mim, tem algo errado quando todos se escondem atrás do teclado para se relacionar. Só espero poder descobrir o que é isso quando meus filhos chegarem à idade de também construírem a sua identidade digital para poder não me assustar tanto.

11.5.09

Dificuldades, eu?

Hoje ajudei uma cega a atravessar a rua. Daí que acabei guiando-a por mais duas quadras. Ela levava um cactus nas mãos. Achei estranho que uma cega levasse um cactus, afinal, nem acariciar a planta ela poderia. Mas ela me contou que, quando era criança, na casa onde moravam, havia um cactus pequeno que ela e o irmão cuidaram até virar um cactus grande, que superava o beiral da janela, com orelhas como a do Mickey. Logo, ela tinha visão e a perdeu em algum acidente. Ela também contou que havia três pés de caqui no seu pomar. E que um dia, logo depois do dono do terreno morrer, a prefeitura veio e colocou tudo abaixo, cactus, caquizeiros e as outras árvores do pomar. E ela e o irmão choraram um monte. Mas hoje, mesmo cega, ela comprou um cactus.
Na sexta estava esperando minha família me pegar em frente ao serviço. Olhava o movimento, quando o menino apareceu. No lugar dos braços, dois cotos, sem mãos. As pernas eram finas, quase somente a pele sobre o osso. Ele usava um óculos grosso, típico de quem tem miopia. Um dos filhos da infame talidomida. E levava pendurado no pescoço o crachá de onde trabalhava. Sem mãos, quase sem braços, quase sem visão, com pernas que permitiam apenas um caminhar claudicante, ele trabalha e batalha por alguma coisa, algum sonho que tem.
Hoje minha esposa me contou uma história. Ela estava no seu trabalho quando um senhor, que ela só havia visto uma vez por conta de um serviço que ele prestou a ela, chegou quase chorando ao seu escritório. O senhor vinha pedir ajuda. Seu filho, no dia anterior, havia morrido. O filho e sua namorada foram à praia e subiram em umas pedras para tirar umas fotos. Uma onda forte veio e jogou ambos ao mar. Nenhum dos dois sabia nadar, mas o moleque, de 19 anos, fez o que pode e conseguiu salvar a menina. Mas não conseguiu se salvar. O homem, desesperado e enraivecido - "não é justo um pai enterrar um filho, não é justo!" - e ao mesmo tempo suplicante, vinha pedir dinheiro para poder pagar a uma funerária transportar o corpo para ser enterrado na sua cidade. Ele não tinha mais a quem pedir dinheiro, já devia ter pedido a todos os conhecidos, mas ninguém tinha nada. Demos o dinheiro para ele, que saiu com sua dor.
Eu parei algumas vezes durante o dia para pensar na cega, no deficiente físico. Depois pensei no senhorzinho que perdeu seu filho. E fiquei com vergonha de mim mesmo de achar que tenho alguma dificuldade grande o suficiente que me emperre a vida.