Pesquisa do Palavrório

7.11.08

Paternidade ainda que à tardinha

Para meu amigo Negrón

 

Hoje o bom dia de minha filha foi diferente. Houve dois momentos. No primeiro, ela disse: "Sai daqui, não me amola!", quando queria fazer um chamego com ela em sua cama. Depois, quando não deixei ela pegar um gibi que estava no carro da mãe (claro, já estávamos dentro do outro carro da casa, atrasados para sair da escola), fui elogiado com os seguintes termos, não necessariamente nessa ordem: "bobo, burro, feio, grosso e idiota! Você é o pai mais malvado do mundo!" Claro que seu irmão a apoiou. "Ele é malvado mesmo, obriga a gente a fazer coisas ruins, como escovar os dentes todo dia!"

Minha filha tem sete anos de idade, é uma princesinha linda que, quando está de bom humor, é a criatura mais adorável do mundo. De mau humor, porém, se transforma em uma fera que já me faz ter pena adiantado de seus futuros namorados. Meu filho tem dez anos, é um ogrinho de comportamento e higiene, mas um piá superinteligente que antes do elogio me perguntava coisas sobre o zero absoluto da termodinâmica. Eu não sou o pai biológico deles, e isso não importa, pois eles são meus filhos.

Há quatro anos e meio eu embarquei nessa aventura, quando comecei a namorar a minha atual esposa. Ela era viúva, e as crianças vieram naturalmente. Logo após iniciar o convívio intenso e familiar, eu descobri porque a gestação humana dura nove meses. Não é para o feto se formar, não. Os nove meses são o tempo necessário para o ser humano se acostumar à idéia de que nada será como antes. Não haverá mais tempo 100% livre, pois sempre haverá alguma demanda dos filhos. Não haverá espaço para as tuas coisas, pois os brinquedos deles são mais ou menos como gases, eles tenderão a ocupar todo o espaço disponível (manhã termodinâmica, sorry). E, principalmente, não haverá muito espaço para dizer não e ser bem recebido. Todo não virá acompanhado dos elogios que eles me fizeram esta manhã.

Claro que esta é a maneira que eles encontram para desafogar a sua frustração de não ter um desejo atendido. E que é nossa função não atender todos os desejos deles. O mundo não atende os nossos desejos, e desde sempre os pais devem ser aqueles que treinam os filhos para viver numa boa com essa frustração. Nem sempre é fácil, e a tentação de ser mole com eles é muito grande. Ser duro rende sempre um "idiota" na cara. Quando éramos crianças, e isso não faz nem 30 anos, se disséssemos isso, no mínimo levávamos um tapa no rosto. Por isso, pensávamos muito antes de destratar nossos pais. As coisas mudaram, as crianças hoje já sabem mais palavrões aos 7 anos que nós aos 15 de nossa época. E não têm medo de usá-los quando lhes dá na telha.

Sei que não é para ficar chateado. Afinal, provavelmente ela me xingará de coisas muito piores quando for adolescente e eu tiver que ir buscá-la nas festas no horário combinado, quando eu não deixá-la sair no meio da semana porque no dia seguinte tem prova, e coisas do gênero. Claro, isso quando ela tiver 12, 13 anos. Aos 15, ela nem me dará bola e fará tudo isso para avisar depois que fez, não antes que fará. Aos 20, provavelmente, ela começará um processo de fazer as pazes conosco (minha esposa também entrará no balaio) para, quem sabe aos 30, depois de um tempo de terapia, acharmos pais bacanas, que foram duros na hora certa, porque senão a maionese teria desandado.

Sei também que, no grande frigir dos ovos, há mais alegrias que tristezas nesse processo. É muito bacana ver as crianças que nem sabiam andar direito ontem querendo sair por conta própria hoje, levando com eles um pedaço de você, seja no jeito de falar, de comentar as coisas, de ver a vida. São pequenos sinais de que eles são sim seus filhos, e que esses sinais são o teu legado para a humanidade. Resta trabalhar para que eles levem os nossos bons sinais, não a nossa pior parte.