Pesquisa do Palavrório

22.2.06

Perturbador

O último filme do Woody Allen merece no mínimo este adjetivo: perturbador. Além de ser um pusta filme, ele te deixa incomodado, ele te faz pensar, ele mexe com as tuas crenças e com a tua visão do mundo.

Não é um filme comum do Woody Allen. É um drama. E um pusta drama, em nenhum momento temos a certeza do que acontecerá, tão bem escrito é o filme e tantas reviravoltas ele dá (agora me lembrei que em um momento o personagem principal do filme toma uma atitude que não parecia pensada até então, algo totalmente imprevisto, e uma professora de Creative Writing minha me disse que tal reviravolta era um ponto fraco em um conto meu, pois nada indicava que aquilo aconteceria. Bom, se o Woody Allen fez, por que não eu?), retomando, tantas reviravoltas ele dá que é impossível adivinhar o seguimento dele.

E por que ele é perturbador? Porque ele mexe com a questão da moralidade, ou melhor, da amoralidade. Do que um homem (ou uma mulher) é capaz para manter o seu bem estar físico e material? Que gestos ou atitudes ele considera válidos? E ele dormirá bem após fazer isto?

Hoje em dia vemos que a moral, ou melhor, a consideração com o outro ser humano, anda em baixa. Vale tudo nesta grande selva capitalista, onde mais do que nunca o homem é o lobo do homem na busca de mais, mais, mais. Os resultados estão aí para que todos vejam: consumimos os recursos naturais com uma voracidade inaudita, e provocamos catástrofes climatológicas; a corrupção é vista com aparente naturalidade, e pequenos roubos e deslizes, desde que não matem ninguém, são até perdoados, afinal, todos fazem (como um beócio disse recentemente); crimes contra o ser humano são cada vez mais horripilantes e comuns, e não fazemos nada.

Posso até estar influenciado pelo livro que estou lendo, A História Universal da Angústia, de W. J. Solha, onde vemos que a crueldade humana parece não ter limites. Mas ver um ser plenamente amoral como o personagem de Woody Allen perturba e faz pensar se estamos fazendo algo para mudar este mundo.

14.2.06

Universos paralelos

Ponha um livro de física quântica junto com o Senhor dos Anéis e temos mostras de quão imaginativa pode ser a mente humana.

A física quântica tenta explicar que temos entre 10 e 11 dimensões no nosso universo atual, sendo que vemos ou sentimos apenas quatro, e aprendemos que existem “n” histórias possíveis para todos, mas escolhemos aquela que nos dá a chance de perguntar qual história é mais plausível. Assim, poderíamos ter duplos ou triplos de nós mesmos andando pelo universo, estatisticamente falando (não que tenha acontecido de verdade).

A relação com o Senhor dos Anéis, a trilogia do Tolkien, é meio difícil de explicar. Afinal, o cara inventou da cabeça dele um universo grande, enorme, complexo, longo, com muitos anos e com centenas de personagens importantes. Fiquei imaginando a cabeça dele fervilhando de idéias e saindo anões, elfos, hobbits e magos, criaturas sem fim que os filmes ajudaram a visualizar.

São universos paralelos, que podem muito bem existir, afinal, as leis do universo permitem que se exista diversos caminhos entre dois pontos. Por pontos entendemos aqui que uma partícula sai de um lugar no tempo-espaço e vai a outro por “n” caminhos possíveis (essa é a teoria de Feynman). Então, toda história fictícia existe de fato, nós só não a vemos nem a vivemos de fato.

E tantos universos – Star Trek, Star Wars, o mundo de Artemis Fowl e tantos outros de que não me lembro agora – sendo continuamente criados a partir de cabecinhas humanas deliciosamente malucas...

Belas histórias!!

9.2.06

Comunidade fechada

Ontem, no grupo de estudos a que freqüento, um senhor contou uma grande lição de moral que teve no seu primeiro emprego. Ele falou de um senhor que deixava as suas coisas sempre destrancadas no ambiente de trabalho, seguro de que não seria roubado. Seu ponto de vista era que aquela era uma comunidade fechada e que dentro dela não haveria como um roubo passar despercebido.
Claro que todos falaram que isso é impossível no mundo atual, pois somos seis bilhões de pessoas, com grandes desigualdades sociais, com ganância, inveja e cobiça. Tudo isso praticamente nos obriga a viver trancados ou trancafiados para garantirmos o nosso patrimônio.
Esquecemos que a Terra é uma comunidade fechada. Tá, são seis bilhões de habitantes, mas qual é a saída da Terra? (mesmo que você acredite em vida após a morte, o que está lá é fora da comunidade) Vivemos numa comunidade fechada de seis bilhões de pessoas, e seria muito bom poder deixar tudo livre por aí e destrancado pois saberíamos que seríamos respeitados e nossas posses não desapareceriam.
No entanto, ainda não estamos prontos para isso. Que ruim...

1.2.06

Precoce

Sábado de manhã, sete e meia. Terminal de ônibus meio vazio, poucas pessoas indo para o trabalho. Uma mãe com suas três filhas sobe ao ônibus. A mais velha deve ter cerca de 10 anos, a segunda tem entre quatro e cinco, a mais novinha não passará de dois anos. Sobem as quatro e se sentam, o ônibus não está cheio.

Começa a viagem. E é uma viagem, uma hora e quinze entre o ponto inicial e o final. As crianças vão calmas, levam na mão um pastel cada, a do meio sorri, a mais velha não, a pequena tem os olhos arregalados, parece não se mexer, o pastel meio comido à mão.

Pouco depois de 20 minutos, a mãe desce do ônibus. Vai trabalhar. A irmã mais velha, de repente, sobe ao posto de responsável pelas irmãzinhas. Tão cedo e já tanta responsabilidade. Ela sorri, dá tchau pra mãe, segura a irmãzinha menor que se senta entre as duas irmãs. E continuam a viagem.

Asfalto ruim, o ônibus sacoleja bastante. Subidas e descidas, as pequenas até que se divertem, acham bacana o ritmo de montanha russa do ônibus. A mais velha olha para fora do ônibus, um olhar perdido, distante, maduro, maduro demais para uma criança ainda. Ela parece ter um cansaço de uma pessoa de muita idade. Ela olha para fora, suspira, fecha os olhos, encosta a cabeça no vidro, tenta até descansar. Mas logo abre os olhos para ver as irmãs, é responsável por elas.

O ônibus chega ao ponto final, a irmã do meio tinha até pego no sono. A irmã menor se levanta e sente o estômago revirar, vomita um pouquinho, atinge a mão de uma outra passageira, que reclama em voz alta. A passageira tem a delicadeza de não ser tão grossa, apenas reclama para si. As crianças descem do ônibus, a mais velha está assustada com a reação da passageira. Seus olhos parecem dizer: “Moça, desculpe-me, não foi por querer que eu fiquei uma hora e quinze no ônibus, sozinha, sem minha mãe, tendo que cuidar de minhas irmãs, quando tudo o que eu queria era estar em casa com minha boneca”.

As crianças logo somem no meio da confusão do terminal. Começo de manhã, muita gente indo trabalhar. Para onde irão as crianças? Ficarão pulando de ônibus em ônibus até se reencontrar com a mãe? Irão para a casa de algum parente? Terão um porto seguro para ficar durante o dia? Ninguém lhes pergunta, ninguém chega perto, quem viu o vômito até se afasta.

Ainda crianças, mas já tão velhas, tão maduras, tão assustadas. E nós, quase todos, de braços cruzados. Tristes tempos...